29.11.13

XVI Semana Filosófica e XI Teológica - Último dia

O último dia da XVI Semana Filosófica e XI Teológica foi iniciado pelo seminarista Diogenes Rodrigo Rodrigues de Araújo, concludente do curso de Filosofia. Ele comunicou o seu trabalho aos presentes, o qual tratou do tema: “A felicidade em Aristóteles como bem supremo do homem”.






Defesa da monografia

Este trabalho teve por objetivo compreender a felicidade (eudaimonia) segundo o pensamento do filósofo grego Aristóteles, o qual teve como fio condutor as obras: Ética a Nicômaco e Política. A Ética a Nicômaco é uma das obras mais importantes de Aristóteles que inspirou o pensamento ocidental, tendo como objetivo refletir sobre a natureza da felicidade e os meios necessários para obtê-la, de modo que os seres humanos teriam uma vida virtuosa com a finalidade de alcançar uma excelência moral. Nesta obra o filósofo afirma que a felicidade é o bem supremo e fim último do homem, pois tudo o que ele faz tem como finalidade este bem. Além desta obra, que serviu de base para a nossa pesquisa, destacamos a Política que teve como meta descobrir a maneira de viver que leva à felicidade humana, e depois as formas de governo e as instituições sociais capazes de assegurar aquela maneira de viver. Ela juntamente com a ética formam as ciências práticas que buscam o conhecimento como meio de ação em contraposição as ciências teóricas,cujo conhecimento é um fim em si mesmo.  Entretanto a ciência prática por excelência é a política, isto é a ciência do bem estar e da felicidade dos homens como um todo ela é prática no sentido mais amplo da palavra, pois estuda não somente a natureza da felicidade, mas também a maneira de obtê-la, ao mesmo tempo ela é prática no sentido mais estrito, pois leva à demonstração de que a felicidade não é o resultado de ações, mas é em si mesma uma certa maneira de agir. Sendo assim Trabalhamos essa temática relacionada a felicidade que esta dividida em três capítulos. No primeiro capítulo abordamos a amizade, como meio para alcançar a felicidade. Entre as virtudes éticas examinadas por Aristóteles, ocupa um lugar de destaque a amizade que segundo ele é tão importante que sem ela não haveria felicidade.

Para tratar deste tema o estagirita dedica dois livros inteiros da Ética a Nicômaco (VIII e IX), isto é o espaço maior que o dedicado a qualquer tema no âmbito de tal obra, fato que demonstra quanta importância deu ele a este tema. De fato logo no início da abordagem ele declara que “ [...] ela é uma virtude ou implica virtude, sendo além disso sumamente necessária à vida”. (ARISTÓTELES, 1987, p. 139). Tal virtude é de suma importância à vida, porque impulsiona o homem a viver e a fazer o bem . Ajuda os jovens a exercerem de forma justa as ações e refulgia os mais velhos diante das mazelas do tempo, e quando o homem no auge de sua idade tem a companhia de um igual , a amizade é de importância singular para impulsioná-los de forma conjunta a prática da boa ação e do bom pensamento. Em suma ela é condição para que o ser do essencial do homem seja realizável. Salientamos que ela é também necessária devidamente, porque pela amizade é favorável a convivência entre os homens, ou seja podemos nos relacionar com os outros de maneira amigável, partilhando  com eles  as alegrias e sofrimentos da vida. Segundo Silva:
Isto supõem a valorização da vida e da existência, bem como o desejo de estar na companhia dos amigos, compartilhando bons e os maus momentos e sendo para ele uma força que os impulsiona sempre a superar os obstáculos e a vencer as adversidades. (2008, p. 35).   

            Sendo assim torna-se lógico afirmar que os amigos desejam estar sempre próximos uma vez que por meio do convívio, cada um afasta de si a solidão e encontra em seu semelhante, motivos para ser feliz. Deste modo quando os amigos se encontram, exerce um para com o outro aquela bondade própria da amizade, que por sua vez exerce companheirismo. É  na companhia dos amigos que o ser humano se realiza, tanto por atender a uma necessidade natural, a de se relacionar com os demais seres, como também por praticar aquele amor que leva a vitalidade e a felicidade.

No pensamento Aristotélico apresentado na Ética a Nicômaco, há três espécies de amizade que merecem ser destacadas. Estas correspondem a categorias próprias e adequadas a cada tipo de personalidade humana. Segundo ele elas podem ser por utilidade, prazer e virtude. Para o Estagirita a primeira espécie de amizade é a que se fundamenta na utilidade. Essa relação valoriza o outro não pelo que ele é, mas pelo que ele tem. Esse tipo de amizade se desenvolve com mais intensidade nas pessoas idosas. Ao atingir essa idade o ser humano vai perdendo o ânimo para realizar algumas atividades, por isso eles buscam se aproximar dos jovens para que estes os ajudem em suas vidas. Este tipo de amizade também se desenvolve entre pessoas de qualidades opostas. Porque um busca no outro aquilo que lhe falta. Por isso essa amizade só se sustenta até o momento em que os envolvidos podem obter bens ainda que estes sejam aparentes, mas quando este bem deixa de ser obtido por uma das partes a amizade se desfaz. Diante disso Picher afirma que
A amizade baseada na utilidade é próprio dos homens de espírito mercantil, que mantém relações de trocas de produtos e subsiste enquanto há vantagem. E esta espécie de amizade, com vistas na utilidade , desenvolve-se mais facilmente entre o pobre e o rico, entre o iletrado e o culto, porque  um almeja encontrar no outro o que lhe falta, sendo  as amizades desta classe repletas de queixas e censuras, onde os amigos não dão tudo o que ‘necessitam e merecem.’ (2013, p. 6)

O segundo tipo de amizade é baseada no prazer. Os que estabelecem esse tipo de relação amam o outro por ser ele agradável aos amantes, bem como por causar-lhes algum tipo de prazer. Amam não a pessoa em si mas o que nela é aprazível, esta forma de amizade também não é duradoura, uma vez que, se um cessar de ser agradável ao outro, cessará o amor e consequentemente a amizade. Esse tipo de relação geralmente é próprio da juventude, buscar e devolver ações que causam prazer. Os que estão nessa faixa etária são guiados pela emoção, por isso buscam o que têm imediatamente diante dos olhos. Assim é que encontramos tantos adolescentes entregues aos vícios como prostituição, álcool e drogas, afim de sentir prazer.

 Rebatendo esses dois tipos de amizade, a saber, a baseada no útil e a alicerçada no prazer, encontra-se a verdadeira amizade, segundo a qual o ser humano honra o outro por aquilo que ele é. Esse tipo de amizade é baseado na virtude, pois os amigos bons possuem um caráter virtuoso, reconhecendo um ao outro enquanto bons em si mesmos. Bitar nos ensina que:

Se diversas são as formas de amizade, uma dentre estas existe que deva ser a melhor e a mais perfeita; não de outra forma deverá ser concebida a amizade entre pessoas virtuosas. Aqueles que verdadeiramente podem ser ditos bons e virtuosos em sentido absoluto o são de modo que sua virtude lhe serve a si próprios como aos outros. A semelhança que os liga entre si não reside em outro ponto senão na característica que é comum a ambos, ou seja, a virtude. Desta forma, o bem que um deseja para si também deseja para o outro, e isto independentemente de qualquer condição, pois esta é a verdadeira noção de reciprocidade e de amizade. A garantia de durabilidade reside na própria permanência e estabilidade do caráter virtuoso dos sujeitos que pela virtude estão animados. ( 2003, p. 1090).

 Esta forma de amizade é um laço que une os homens virtuosos, pois na atividade da virtude o homem se caracteriza como tal. Assim tem-se a necessidade de amigos para exercer a bondade, a generosidade e o amor ao bem. Esse tipo de relacionamento é como o prolongamento inevitável da virtude e consequentemente é essencial à verdadeira felicidade. Com efeito esta é em cada um dos amigos uma bem- aventurança afetuosa que quer ao outro seu verdadeiro bem. Os amigos tem prazer ao colocar em comum o que cada um tem de melhor, pois nós amamos o amigo como um outro de nós mesmos.

No segundo capítulo fizemos uma reflexão sobre a felicidade no contexto da pólis. Na sua obra a Política, Aristóteles afirma que o ser humano é por natureza um animal político e social, ou seja a sua essência ou natureza se atualiza e se realiza no seio da pólis. Desse modo não podemos deixar de observar que é impossível uma vida feliz fora do contexto da comunidade, pois é nesse contexto social e político que a felicidade se realiza. No que diz respeito a felicidade, presume-se que ocorra o mesmo, por que para o homem, ela é considerada como sendo o maior bem a ser conquistado por meio do agir. A vida em comunidade visa um bem determinado, enquanto a sociedade visa um bem maior entre todos: aquele que por sua vez deve ser o bem supremo e o mais abrangente de todos. Nesse sentido a comunidade deve possuir plenamente a sua auto-suficiência na urgência de viver.

Em qualquer que seja a cidade todos aspiram a felicidade, no entanto cada um a seu modo e de diferentes maneiras. O fato é que ela está associada às qualidades morais, mas uma cidade não deve ser qualificada de feliz com referência apenas a uma de suas classes, e sim a todos os cidadãos. A melhor cidade com efeito é aquela que possui o maior número de pessoas felizes, porém isso não acontece, pois o todo não pode ser feliz na mesma medida, e nem do mesmo modo. De fato ninguém é igual e nem sempre as pessoas pensam da mesma forma. Segundo Aristóteles:

O maior dos bens é a felicidade, e ela consiste em agir segundo as qualidades morais e no exercício perfeito destas; além disto, como acontece muitas vezes que alguns homens participam mais da felicidade e outros menos e nem sequer participam esta é obviamente a causa da existência de diferentes espécies e variedades de cidades e diversas formas de governo. Na verdade, já que todos buscam a felicidade (cada um à sua maneira e por meios diferentes), isto leva os homens a modos de vida diferentes e a diferentes formas de governo. Devemos ainda procurar saber quantas coisas existem sem as quais não pode haver uma cidade, pois dizemos que entre elas haverá algumas que são partes da cidade, e por isso sua presença nela é essencial. (ARISTÓTELES, 1988, p. 237).

No terceiro capítulo e cume do nosso trabalho monográfico, tivemos como objetivo compreende a felicidade como bem supremo do homem segundo o pensamento de Aristóteles.  No primeiro livro da Ética a Nicômaco, Aristóteles inicia sua reflexão sobre a felicidade, (eudaimonia) Ele desenvolve sua reflexão ética pautada na noção teleológica, isto é, a partir de uma perspectiva de finalidade. Com efeito para o estagirita, todos os seres e coisas, tendem a um determinado fim. Sendo assim, no início da ética, o filósofo, oportunamente evidencia uma perspectiva que servirá de guia para toda a sua filosofia prática: a noção de finalidade ou bem: “[...] toda arte e toda investigação, assim como toda ação e toda escolha, têm em mira um bem qualquer; e por isso foi dito com muito acerto, que o bem é aquilo a que todas as coisa tendem.” (ARISTÓTELES, 1987, p. 9). Esta passagem caracteriza a ética de Aristóteles. É natural, ou seja, faz parte da própria essência do homem direcionar todas as ações para uma finalidade, pois sempre que houver ação, necessariamente haverá uma intenção última. Mas qual seria a intenção última para a qual se dirige a ação humana? Para responder a esta indagação,o filósofo grego faz uma análise do homem, afirmando ser este um ser dinâmico que a todo instante está empreendendo novas ações, ele age com um objetivo a cumprir, com uma finalidade. Segundo Silva:

Esse fim, desejado por todos, necessariamente será um bem, pois ninguém desejaria para si mesmo algo que não fosse bom e que não lhe fizesse bem. Analisando as ações humanas e percebendo que existe muitos fins, aquele que se pretende alcançar como fim último é definido tanto pelos cultos quanto por aqueles que detêm menos cultura como a felicidade. A ela estão subordinados todos os outros fins,visto que quando alguém realiza algo é com o intuito de ser feliz, conquistando para si aquilo que é bom, que este o faz. (2008, p. 26).

            Dado que a ação humana tende a um fim, este por sua vez é o supremo bem para o homem, mas qual será este fim que orienta o agir humano? A resposta encontra-se no capítulo 4 do primeiro livro da Ética a Nicômaco. Na citada passagem o filósofo ressalta que o sumo bem é necessariamente o mais elevado bem que o homem pode alcançar e que o mesmo naturalmente o deseja. Diante disso formulamos o seguinte problema: Em que consiste o bem supremo Para Aristóteles? Para responder a essa indagação, o filósofo faz uma analise do homem como presuposto para sua investigação ética. Ele afirma ser todo ser humano dotado de corpo e alma e esta na sua concepção possui três funções: vegetativa, sensitiva intelectiva. A primeira ocupa-se com a nutrição e com a preservação do corpo; a segunda com as informações colhidas pelos sentidos; e terceira com a abstração e racionalização do saber. Esta última função é que diferencia o homem dos demais seres vivos.  O exercício ativo do elemento racional é a função própria do homem, é uma atividade da alma por via da razão. Por esse motivo a felicidade para Aristóteles consiste na plena pontencialidade racional do homem, em outras palavras esta via é o sumo bem, ou seja a felicidade. Assim comenta Nodari:

O que faz a marca especifica do homem é o pensamento e a razão que o segue. É a atividade intelectual. Nesta encontra-se a fonte principal das alegrias do homem ou seja, a fonte donde provém a verdadeira felicidade. Com efeito, a felicidade do homem consiste no aperfeiçoamento da atividade que lhe é própria, ou seja, na atividade segundo a razão. O homem deve, então, subordinar o sensível ao racional. A subordinação da atividade sensível à atividade racional se impõem. É o preço da felicidade humana e a condição da moral humana. Portanto, para ser feliz, o homem deve viver pela inteligência e segundo a inteligência. (1997, p. 390).

Sendo a felicidade uma atividade virtuosa da alma, não se ponde identificá-la nem com a riqueza, nem com o prazer. Pois se assim o fosse ninguém chegaria a seu estado pleno,devido a essa inconstância produzida pela posse ou não de tais bens. Desta forma percebemos que existe um consenso universal em dizer que o bem supremo é a felicidade, porém há uma divergência quanto ao seu conceito. Muitos acreditam que a  vida feliz esta no gozo, outros  no prazer, outros acreditam que a felicidade esta nas honras e nas riquezas. È interessante percebermos que o filósofo não rejeita as diversas opiniões dos gregos acerca do conceito da felicidade, mas ensina que estes estilos de vida são pré- requisitos para atingir o estagio de contemplação que segundo ele aperfeiçoa a natureza humana. Segundo Chih:

Obviamente não só implica que uma vida feliz exija a totalidade de bens ou tudo aquilo que vale a pena conseguir, como varia numericamente em cada caso. Além disso, e isto é o mais importante, este critério de quantidade aplica-se juntamente com um critério de qualidade (aquele que distingue três tipos de bens e coloca um deles como causa própria da felicidade) – como a quantidade é promiscua em relação aos objetos aos quais se aplica um outro critério, qualitativo, discrimina os tipos e as ordens que os bens tem entre si. (2009, p. 92).

               A responsabilidade de atingir ou não a felicidade é única e exclusivamente do homem. Primeiro, porque ela consiste em praticar ações moralmente boas ou más, Segundo, porque o ser humano é o único ser racional existente e, como a felicidade é própria da alma racional, somente ele pode atingi-la.  Mesmo que ela dependa de fatores externos que sejam favoráveis, cabe a cada individuo buscá-los, bem como procurar meios que facilitem sua vida, tornado-a mais digna de ser vivida. Outro detalhe importante é que todo aquele que atinge a felicidade, sente prazer em realizar ações que preservem este estado da alma. Não se pode conceber que alguém seja feliz e, no entanto, viva em constante tristeza, uma vez que esta é fruto de uma vida mal vivida, mergulhada em prazeres e por isso aprisionada aos vícios. Por outro lado, o homem feliz é alegre porque vive praticando a virtude, relacionando-se com os demais membros da sociedade na qual está inserido ultrapassando seus próprios limites e barreiras para tanto viver como agir bem.

Enfim, conclui-se que ser feliz é o objetivo de todo ser humano, e a felicidade é a mais alta realização que alguém pode atingir, sendo portanto, considerada como fim último e sumo bem, assim também como capacidade que um individuo possui de atingir em conformidade com a razão.

Por Seminarista Diogenes Rodrigo











Afonso Matos Correia Filho prosseguiu  com sua comunicação de trabalho, com o tema: “A alteridade levinasiana como modelo educativo.






A ALTERIDADE LEVINASIANA COMO MODELO EDUCATIVO

É bem verdade que devemos respeitar o outro como ele é. Mas, filosoficamente, nos perguntamos “como é o outro?”. Estamos acostumados a julgar o outro a partir dos nossos conceitos, a fazer do outro um espelho de nós mesmo. Neste sentido, se eu interpreto o mundo a partir da minha razão, e interpreto o outro de acordo com meus conceitos, será que eu alcanço o outro tal como ele é? Se eu sou um artista dos palcos que priorizo os gestos, as expressões, os movimentos; poderei eu assim compreender de fato um Outro que é versado nas letras, que se expressa bem pelas poesias e contos?

Como vemos, entender como é o outro ou quem é realmente o outro não é uma tarefa das mais fáceis.  O outro sempre será desconhecido e as tentativas de um outrem em interpretá-lo sempre cairão no reducionismo do outro num mesmo.

Ao olharmos para a história da humanidade é inegável não verificarmos que nos últimos quatro séculos o homem desenvolveu-se de tal forma que podemos até dizer que vivemos numa primavera da humanidade, a plenitude humana. É difícil não aceitar que o ser humano vive hoje um momento ímpar de sua história. Contudo, esta realidade vivida pelo homem é paradoxal. Se por um lado constatamos o momento da primavera da humanidade, por outro, vemos que o próprio homem é responsável por peripécias que nem sempre o dignifica.

Guerras, misérias, dor, sofrimento, morte. Esta é a contrastante marca do século XX e infelizmente ainda continua sendo o caminho percorrido pelo homem do século XXI no qual a humanidade tem experimentado o desrespeito para com o outro, o terror, a tortura e a destruição.

Emmanuel Lévinas foi um ex-refugiado de um campo de concentração nazista na Segunda Guerra mundial. Lá ele pode ver e sentir de perto como o Outro estava sendo tratado como um objeto descartável pelo próprio ser humano e como o totalitarismo da guerra desfigurava a dignidade do Outro em detrimento da autonomia do Eu. No Holocausto, a matéria prima da indústria era o ser humano e o produto, a morte, obstinadamente registrada nos mapas de produção.

O homem desenvolveu técnicas para dizimar milhões de outros homens de maneira que se pretendia não deixar nenhum vestígio para as futuras gerações.

A partir de tais exposições é que apresentamos o resultado das reflexões filosóficas acerca do problema que norteou nosso trabalho monográfico: como a alteridade levinasiana pode servir de modelo para uma prática educativa humanizadora?

Desenvolveremos o nosso trabalho em três capítulos:
No primeiro capítulo, buscamos contextualizar a alteridade levinasiana, tentando esclarecer como a Ética da Alteridade proposta por Emanuel Lévinas se apresenta como uma resposta aos anseios de humanização do homem atual.

A razão humana construiu palácios, cidadelas, fortalezas, repúblicas e paraísos que nenhuma pessoa jamais habitou. São inúmeros os belíssimos sistemas filosóficos e estruturas arquitetadas com capricho e arte. A razão humana se apresenta em si mesma como céu e inferno do próprio homem. O pensamento humano forjou tantas belezas, como também muita destruição e morte. Os filósofos da chamada pós-modernidade preferiram sair das velhas trilhas da razão e enveredarem por caminhos que pretendem apresentar outra forma de se buscar a verdade.

O século XX foi marcado pelas principais atrocidades da humanidade até o momento. Foi neste século que ocorreram as duas grandes guerras mundiais, o massacre dos judeus, o lançamento das bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki. Tais acontecimentos deixaram um rastro de miséria que se alastra pelo mundo dizimando povos dos países mais pobres. Sinteticamente, “trata-se do fim do mundo do qual os arsenais nucleares revelam o aspecto popular e angustiante. O fiasco do humano talvez caminhe para isso”. (LÉVINAS, 2002, p.78).

Diante da condição do homem moderno, a ética levinasina surge como uma contundente crítica destinada principalmente a todos os que se acham bem pensantes, aos europeus, aos filhinhos de papai, ou seja, a toda instalação da filosofia ocidental que cristalizou o Eu reduzindo-o ao Mesmo, todos estão centrados no estudo do Ser, na ontologia, na satisfação da autonomia. (PIVATO, 1992).

Alteridade é uma palavra derivada do latim Alteritas, que tem como significado “Ser outro, colocar-se ou constituir-se como outro.” (ABBAGNANO, 1998, p.43). É um esforço de ir ao mundo do outro tal como ele é e não como eu gostaria que ele fosse. É ser capaz de apreender o outro na plenitude da sua dignidade, dos seus direitos e, sobretudo, da sua diferença.

A pergunta do conceito de alteridade evoca o rosto do outro enquanto resposta. No entanto, se perguntar sobre o conceito de alteridade significa deparar-se com o inusitado e não em respostas simples e acabadas. O outro estará sempre além de minhas possibilidades e é na acolhida do outrem, que surge a possibilidade de uma relação educativa, de ensino:

Abordar Outrem no discurso é acolher a sua expressão onde ele ultrapassa em cada instante a ideia que ele tiraria de um pensamento. É, pois, receber de Outrem para além da capacidade do Eu: o que significa exatamente: ter a ideia do Infinito. Mas isso também significa ser ensinado. (LÉVINAS, 2008, p.38).

Lévinas, diferentemente de Heidegger, não vê a ontologia como filosofia primeira e sim a ética. Para Lévinas, o outro será infinitamente outro. Nunca, jamais, nem se quer por aproximação eu irei alcançá-lo. Tudo que eu venha a saber sobre ele, percebamos “eu venha a saber sobre ele”, nunca será substituído como conhecimento de quem ele é. Diante do exposto, nos resta apenas uma coisa, que não é conhecimento nem tampouco epistemologia, não é um estudo sobre o outro, é a ética. É nas relações éticas que o homem se perfaz como ser humano.

No segundo capítulo, discutimos como o rosto do outro me interpela a educação. Neste momento, buscamos esclarecer a categoria do rosto do outro que é muito importante para a compreensão da alteridade proposta por Lévinas.

O fundamento da relação ética proposta por Lévinas está no encontro com um rosto. O rosto do outro ser humano é a sua forma de apresentar-se e não de ser representado diante do eu que o olha e o toca, mas sem objetivá-lo. O rosto na relação face a face supera a idéia que o eu tem do outro. Na presença do rosto abre-se uma dimensão do infinito despertando um desejo que, para se tornar ético, deve reconhecer o outro como absolutamente outrem. A epifania do rosto do outro abre um magistério que não conduz para a maiêutica.

“O rosto recusa-se à posse, aos meus poderes. Na sua epifania, na expressão, o sensível ainda captável transmuda-se em resistência total à apreensão.” (LÉVINAS, 2008, p.192). Formular uma ideia sobre quem seja o outro é totalmente diferente de um eu estar diante do outro, para o qual a ideia que se fez deste outro se apresenta como inadequada. A relação ética com o outro é linguagem que mantém a originalidade do rosto, que tem como suporte a relação face a face. Não é tematizar o outro no meu mundo, mas compartilhar meu mundo com o outro.

A partir do pensador franco-lituano podemos entender que a prática educativa que nega o outro, a relação face a face, implica uma dinâmica de dominação. Dominação esta que fora fundamentada pelo saber educacional proposto a partir da maiêutica socrática o qual foi criticado por nosso autor. O conselho délfico “conhece-te a ti mesmo” adotado como ideal do saber socrático/platônico foi um saber que como que tenha patrocinado a redução do outro ao mesmo. Verifica-se que a grande lição de Sócrates foi a defesa do primado do Mesmo, onde tudo que vem do outro já está em mim, tudo que necessito já está em mim desde toda eternidade.

O outro se apresenta face a face, ou seja, com seu rosto. Ele não se manifesta nem se seduz: visita, anuncia e revela. “O rosto, na sua essência, é o que resta do outro, uma vez que exaurida a ordem de referências à própria existência e ao horizonte do ser e do mundo.” (PIVATTO, 1993, p.343).

O rosto é transcendência que escapa as nossas definições e entendimentos. O rosto do indigente, da viúva, do órfão e do estrangeiro, enfim do outrem, falam e dizem na sua nudez e vulnerabilidade, como símbolo epifânico, que timidamente denuncia o seu abuso e a sua rejeição, seu esquecimento, sua condição de negação da humanidade. Não é um significado relativo a um contexto, ele é vida, é infinito. Reclama a minha responsabilidade.

No terceiro capítulo, argumentamos acerca da relação entre ética e educação dialogando com outros autores que, no viés educativo, se aproximam da ética levinasiana. Com isso, fizemos uma ponte com a pedagogia freireana elucidando alguns pontos convergentes com as ideias de Lévinas.

A relação entre a ética e educação nos tempos atuais se apresenta como uma urgência e ainda mais devido à realidade paradoxal que a humanidade tem vivido.

Prezado Professor, sou sobrevivente de um campo de concentração. Meus olhos viram o que nenhum homem deveria ver. Câmaras de gás construídas por engenheiros formados. Crianças envenenadas por médicos diplomados. Recém-nascidos mortos por enfermeiras treinadas. Mulheres e bebês fuzilados e queimados por graduados de colégios e universidades. Assim tenho minhas suspeitas sobre a Educação. Meu pedido é: ajude seus alunos a tornarem-se humanos. Seus esforços nunca deverão produzir monstros treinados ou psicopatas hábeis. Ler, escrever e saber aritmética só são importantes se fizerem nossas crianças mais humanas.

Este relato de um sobrevivente de um campo de concentração nazista deixa muito mais evidente esta urgência de se desenvolver um novo tipo de educação onde o ato de ensino-aprendizagem seja humanização em processo como afirmou FREIRE (1996). É preciso que nossos professores estejam cientes deste fato de que ensinar não é transferir conhecimento, não é apenas ser aprendido por ele e pelos educandos nas suas razões de ser- ontológicas, política, ética epistemológica, pedagógica, mas também precisa ser constantemente testemunhado, vivido. Para isso faz-se necessário uma nova visão do sentido da escola.

A escola deve ser entendida com um lugar e um tempo de encontros. Antes mesmo de se pensar em projeto político pedagógico, currículos, conteúdos programáticos, proposta pedagógica, método de ensino, aprendizagem, e assim por diante, a escola é por si só um momento pedagógico inicial. Anterior a toda sistematização escolar, este lugar é local de epifanias de rostos e surpresa de encontros. Daí então, currículos e metodologias devem ser organizadas para comtemplar esta relação intersubjetiva.

O fato de FREIRE (1987) ter dedicado sua obra e sua vida pela causa dos esfarrapados do mundo, e aos que com eles se fazem solidários e responsáveis, nos aponta para a possibilidade de um mundo alicerçado no paradigma de uma verdadeira humanização. Neste sentido, a pedagogia freireana elege para a prática educativa a ética, assim como fez Lévinas. O rosto do outro que é silenciado apresenta-se sempre como manifestação do dizer ético que apela o meu cuidado e responsabilidade.

A Ética da Alteridade encontra convergência na Pedagogia do Oprimido, principalmente quando esta defende “a ruptura radical com o colonialismo e a recusa igualmente radical ao neocolonialismo” (FREIRE, 2003, p.178). Neocolonialismo que se traduz em Lévinas como sendo a ontologia da totalidade. Mesmo Freire não utilizando conceitos levinasianos, podemos verificar que Freire assume a responsabilidade ética pelo rosto, condição do marginalizado e oprimido, os “esfarrapados do mundo”.

Segundo COELHO (2011), a educação pode prejudicar a ética, quando esta é pautada na proposta educativa baseada na concepção positivista de ciência e educação. Isso tem início pelo postulado da neutralidade científica, cujo termo “neutro” já traz prejuízo do não comprometimento, fato que representa a condição ética. A negação da corporeidade e dos sentimentos causa sérios riscos à ética uma vez que a ética surge quando a consciência e a afetividade se integram. O grande desafio que a escola tem hoje no ensino da ética é que se fala sobre ética, exige-se leitura sobre ética, pensamos a ética, todavia, esquecemo-nos de a por em prática.

Que seja a educação a ferramenta que propicie os encontros dos rostos gerando uma sensibilidade ética; que gere nos agentes do processo educacional a responsabilidade mútua principalmente com o rosto dos “esfarrapados”, dos excluídos e marginalizados que clamam sua dignidade a esta sociedade marcada pelo totalitarismo capitalista de consumo. A educação que visa a sensibilidade ética se perfaz nos mais simples gestos do nosso cotidiano. O desejo do bem e da felicidade do outro, como expressão de solidariedade é o que nos faz humanos. 

            Instigante e desafiador. É este o sentimento que nos toma ao estudar Lévinas. Ler Lévinas é fazer um novo caminho sobre nossas próprias verdades redescobrindo um pouco mais de quem nós somos de fato. É refletir como está a qualidade de nossas relações para assim repensar a nossa condição de ser humano.
          
Ao realizar este trabalho de aproximar a alteridade levinasiana como uma ferramenta para a prática de uma educação humanizadora, não pretendemos apresentar a última palavra sobre esta temática.

As conclusões que aqui se apresentam não são as últimas, uma vez que qualquer teoria filosófica nunca é fechada, sempre está aberta às críticas.

Pudemos perceber o porquê da proposta ética de Lévinas. Ele denuncia os totalitarismos das guerras que destrói a identidade do outro como também a fundação da filosofia ocidental baseada na ontologia como filosofia primeira. Ele propõe a Ética da Alteridade face a dominação do outro pelo mesmo. Tal ética gera a responsabilidade para com o “órfão, a viúva, o indigente” que reclamam pela sua dignidade.

A hipótese de que para que o homem se reconheça de fato como ser humano, faz-se necessário o desenvolvimento de uma educação humanizadora pautada na alteridade, foi comprovada neste trabalho. Constatamos que é preciso desenvolver uma nova educação, cientes de que o aprender não pode estar a serviço de uma razão que pretende quantificar tudo prevendo um lucro futuro. A escola é o meio propício para os encontros, é um momento pedagógico inicial onde as crianças deparam-se com outros rostos e descobrem que elas não são o centro do mundo.

Ficou evidente em nosso trabalho de que é preciso fazer um novo êxodo para ir ao encontro do outro que se apresenta a mim como desconhecido, um êxodo feito de saídas, de acolhidas, de aberturas e de disponibilidade. Trata-se de uma saída de si mesmo para uma abertura hospitaleira a esse outro que se faz proximidade. Essa foi a luta de Lévinas: defender a dignidade da face do outro pela afirmação da ética como sentido do humano. A educação deve ter por objetivo principal o desenvolvimento da sensibilidade ética, meio pelo qual o homem possa tornar-se humano.

Contudo, a nossa proposta de uma educação que seja humanização em processo a partir da alteridade levinasiana, é destinada aos que tem a esperança de desenvolver uma educação que toque cada indivíduo, uma educação que seja uma ferramenta eficaz na transformação da sociedade. Transformação esta que julgamos crucial para que construamos uma sociedade mais justa e mais humana.

Obrigado pela atenção.

Por Seminarista Afonso Matos Correia Filho



Ao término da tarde, Dom Armando Bucciol (Presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Liturgia da CNBB e Bispo da Diocese de Livramento de Nossa Senhora) proferiu uma palestra, com o tema: “A Liturgia, Momento Histórico da Salvação nas Conferências do CELAM”, na qual, expressou, inicialmente, a quão necessária mudança de linguagem, quando na lida com os desafios contemporâneos, dentro e fora da Igreja, adotada pelo Concílio Vaticano II; segundo Bucciol, uma linguagem mais acolhedora.




Inserido num novo clima cultural e eclesial, segundo Dom Armando, o Concílio Vaticano II responde como, em matéria de liturgia, a Igreja deve se colocar, sendo que essa, propõe-se como ação ritual, experiência de comunhão, tempo festivo e culmen et fons (cume e fonte) de toda a vida da Igreja.

O Presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Liturgia da CNBB apontou muitas das colocações da Conferência de Aparecida (2007), dentre estas, tomou uma que destaca a dimensão e mistério pascal qual elo unificador da Liturgia e da vida eclesial. Citou também a Conferência de Medellín (1968): “[...] a presença da salvação, enquanto a humanidade peregrina até sua plena realização na parusia do Senhor, culmina na celebração da Liturgia eclesial (cf. SC 8 e 10).

Falando das necessidades de adaptação às realidades dos povos, afirmou que a Celebração litúrgica tem um compromisso com a realidade humana.

Dom Bucciol falou também da “Piedade Popular”; citando a Conferência de Puebla (1979), apontou a oração particular, assim como aquela piedade como verdadeiros valores de evangelização. Sobre a Liturgia na realidade dos povos, especificamente, o latino americano, enfatizou a necessidade de considerações pastorais, salvas as normas litúrgicas, numa constante superação do mero rubricismo.

Santo Domingo (1992), outra Conferência citada, fora usada por Dom Armando para evidenciar a Liturgia como centro e cume da vida eclesial, numa contemplação dupla da ação do Senhor – glorificação e redenção.

O Bispo de Livramento de Nossa Senhora lembrou Aparecida, quando esta aponta a centralidade dada à ação e à experiência de Cristo que introduz o cristão numa profunda e feliz celebração dos sacramentos, com toda a riqueza dos seus sinais. Com tal apontamento, Dom Bucciol assinalou a consciência escassa de boa parte dos fiéis católicos acerca da participação na liturgia dominical. Assim, à luz de Aparecida, recordou aos presentes que a Eucaristia é a razão de ser do cristão, recordando também a “pastoral do domingo”, necessária na conscientização dos fiéis.



Outro ponto abordado pelo Bispo foi a questão da inculturação. Destacou que a mesma se constitui um processo lento e que deve ser bem interpretada para não dar margem a exageros. Porém, afirmou que há uma necessidade de adaptação e encarnação da liturgia nas diversas culturas, celebrando a fé – com expressões culturais – numa sadia criatividade. Citando Santo Domingo, apontou que as Celebrações litúrgicas devem ser aptas para expressar o mistério que se celebra, de maneira clara e inteligível.

Concluiu a palestra demonstrando ser necessário o cuidado para com o tesouro da religiosidade popular de nossos povos, para que nela resplandeça cada vez mais ‘a pérola preciosa’ que é Jesus Cristo, e seja sempre novamente evangelizada na fé da Igreja e por sua vida sacramental.




À noite, na última conferência da XVI Semana Filosófica e XI Teológica, Dom Armando Bucciol prosseguiu com as reflexões da tarde, desta vez, à luz do tema: “Perspectivas para a Liturgia, a partir da Sacrosanctum Concilium e do CELAM”. O Padre Jânisso de Sá, Reitor deste Seminário, mediou esta conferência, junto ao Arcebispo Dom José Palmeira Lessa.




Dom Bucciol acentuou inicialmente, como na parte da tarde, o enorme papel do Concílio Vaticano II, que colocado na grande tradição, responde aos desafios atuais. E não diferente com a Sagrada Liturgia, esta, põe-se como a fonte de onde jorra o alimento dos fiéis, oferecido por Cristo Jesus ao seu corpo místico, a Igreja. 

O Bispo de Livramento de Nossa Senhora questionou os presentes acerca da participação dos fiéis na Liturgia e se os mesmos vivem desta. Ela, destacou o prelado, faz-nos participar do perene memorial da salvação de Cristo.

Ainda sobre o Concílio, Bucciol assinalou que a visão conciliar de liturgia respira com a teologia patrística e dos Sacramentários antigos. A ação litúrgica, dizia ele, apoia-se na comunidade dos fiéis e se estende por toda a terra, constituindo-se una, independente da multidão que a compõe. 

Sendo a ação mais eficaz da Igreja, lembrou, a liturgia deve derrubar muros e toda atitude de ‘aristocracia’ espiritual.

O Presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Liturgia da CNBB, em suas considerações finais, enfatizou que vida e celebração não podem estar dissociadas. Concluiu dizendo que “na e por meio da liturgia podemos, melhor, devemos aprender o estilo de vida da gratuidade; Deus ama gestos gratuitos” e ainda, “na liturgia nascemos pela fé e a alimentamos”. Terminada as colocações de Dom Bucciol, os presentes puderam fazer perguntas ao mesmo.








Fotos: Seminarista José Dalmo

XVI Semana Filosófica e XI Teológica - 3º dia

A tarde foi iniciada com um artigo científico sobre “A Teologia da “Continuidade” na Sacrosanctum Concilium”, apresentado pelo seminarista Everson Fontes Fonseca, concludente do curso de Teologia.







ESTUDO SOBRE A “SACROSANCTUM CONCILIUM”

Ao nos inscrevermos para fazer uma comunicação nesta XVI Semana Filosófica e XI Teológica, no afã de festejar o quinquagésimo aniversário do Concílio Vaticano II e, por esta data áurea, os cinquentas anos de promulgação do primeiro rebento conciliar, a Constituição Dogmática “Sacrosanctum Concilum”, é-nos incumbida a grave tarefa de falar sobre a Liturgia da Igreja no contexto do último Concílio através desta mesma Constituição Dogmática que trata justamente sobre a Sagrada Liturgia, baseados na observância da reflexão acerca da Teologia da Continuidade que, tanto no Concílio quanto a partir dele, nos é oferecida. 

Para tanto, faz-se mister que recorramos primordialmente a alguns documentos magisteriais da Igreja, dentre eles a própria Constituição Sacrosanctum Concilium (como é natural), bem como a comentários contemporâneos e posteriores à sua promulgação. Por tal motivo, achamos salutar adentrar no contexto histórico para vislumbrarmos o panorama que cerca a temática seja temporalmente, seja ideologicamente.

Desde 11 de outubro de 1962, o Papa João XXIII, data de inauguração do Vaticano II, expõe a grande motivação de sua convocação: “Iluminada pela luz deste Concílio, a Igreja, como esperamos confiadamente, engrandecerá em riquezas espirituais e, recebendo a força de novas energias, olhará intrépida para o futuro. Na verdade, com as atualizações oportunas e com a prudente coordenação da colaboração mútua, a Igreja conseguirá que os homens, as famílias e os povos voltem realmente a alma para as coisas celestiais”. O aggiornamento della Chiesa, palavra italiana eternizada com a história do Vaticano II, muito mais do que um romper, é um continuar da senda bimilenar da Tradição Apostólica e da tradição histórica da Igreja de Cristo. O ‘Papa Bom’, cognome de João XXIII, como especialista em História da Igreja, é cônscio de tal sequência, e, no mesmo discurso de abertura do Concílio, deixa claro que o objetivo da reunião não é o de romper em prol de novidades, mas um primar pela continuidade histórico-teológica, ao tempo em que estabelece pontes com a hodiernidade: “O XXI Concílio Ecumênico, que se aproveitará da eficaz e importante soma de experiências jurídicas, litúrgicas, apostólicas e administrativas, quer transmitir pura e íntegra a doutrina, sem atenuações nem subterfúgios, que por vinte séculos, apesar das dificuldades e das oposições, se tornou patrimônio comum dos homens. Patrimônio não recebido por todos, mas, assim mesmo, riqueza sempre ao dispor dos homens de boa vontade. É nosso dever não só conservar este tesouro precioso, como se nos preocupássemos unicamente da antiguidade, mas também dedicar-nos com vontade pronta e sem temor àquele trabalho hoje exigido, prosseguindo assim o caminho que a Igreja percorre há vinte séculos”.

Estreitando o nosso campo de estudo, passemos agora para os preliminares da Constituição Sacrosanctum Concilium, fazendo, para tanto, um brevíssimo histórico de seus antecedentes. A partir do século XIX, sob o pretexto de eliminar as particularidades que vão de encontro à unidade romana, surge o Movimento Litúrgico, cujas influências não se detiveram aos anos de 1800, mas que adentraram fortemente no século XX. Este Movimento, espraiado na Europa – em especial na França (Guéranger, Lambert Bauduin), Áustria (Pius Parsch), Alemanha (Odo Casel) e Itália (Romano Guardini, Mario Righetti e outros), pretende ‘recuperar’ os valores da vida litúrgica da comunidade cristã, cuja participação, em geral, se restringia, conforme os críticos pensam, a uma mera assistência de espectadores do culto. Com a eleição de Pio X, o Movimento Litúrgico foi apadrinhado pelo Romano Pontífice que, em 1903, com o seu Motu Proprio Tra le sollecitudine, fez um convite à purificação do canto e da música na liturgia, e deu a orientação de que os fiéis encontrassem o verdadeiro espírito cristão na sua fonte primeira e indispensável, a participação ativa nos sacrossantos mistérios e na oração pública e solene da Igreja. Pio XII também não foi indiferente ao Movimento Litúrgico, provam-nos a sua Carta Encíclica Mediator Dei, de 1947, e, anterior a esta, a Encíclica Mystici Corporis, em 1943, que é eminentemente eclesiológica, mas que toca em assuntos da práxis litúrgica da Igreja. Similarmente, são legados do seu pontificado outros documentos de cunho litúrgico e pequenas reformas nas cerimônias litúrgicas. No início de 1962, ano da abertura do Concílio, porém não dentro das reuniões conciliares, quando da nova edição do Missal Romano, o Beato João XXIII deixou entrever que os grandes princípios comandantes da reforma geral da liturgia deveriam ser propostos aos Padres Conciliares no subsequente Concílio Ecumênico. Como ações, o Movimento Litúrgico insistiu na publicação de vários manuais de rubricas e cerimônias para os padres, a edição de missais bilíngues para que os fiéis acompanhassem a Missa, a autorização que conseguiram da Santa Sé para que os sacramentos, fora da Missa, fossem celebrados em vernáculo (principalmente o Matrimônio), o incentivo à Missa dialogada, a insistência no canto gregoriano (em virtude de certas polifonias que eram muito rebuscadas e demoradas) etc. Sendo assim, primaram por tentar recuperar a simplicidade do rito romano. Mesmo dentro do espírito do Movimento Litúrgico havia segregações de duas naturezas basicamente: uns apoiavam reformas que respeitariam o desenvolvimento orgânico, não mutilando o que foi acrescentado de modo natural ao rito ao longo dos séculos; outros, extirpando o que considerariam acessórios dentro das celebrações. Ainda hoje, fazemos uso, das inovações propostas pelo Movimento Litúrgico, algumas até que já poderiam ter perdido o seu lugar, como os pedagógicos subsídios litúrgico-catequéticos para a participação da Santa Missa.

João XXIII morre em 03 de junho de 1963 (Solenidade de Pentecostes, e é eleito Papa o Cardeal Montini, que impôs sobre si o onomástico de Paulo VI. Em 04 de dezembro de 1963, se deu a promulgação do primeiro trabalho consolidado de fato pelo Vaticano II: a Constituição Dogmática Sacrosanctum Concilium. O texto deste protodocumento foi apresentado aos padres conciliares em outubro de 1962 e, depois da sua discussão e correção, foi finalmente aprovada com o sufrágio dos bispos, inclusive do de Roma. O placar ficou em 2147 placet (aprovações) contra apenas 4 non placet. Comentando a decisão, pela revista brasileira “O Cruzeiro”, o então Monsenhor Luciano Duarte, o nosso Dom Luciano, entusiasmado, escrevia, inserindo os fiéis da Terra de Santa Cruz no andamento do Vaticano II: “Durante esta segunda sessão do Concílio, ao mesmo tempo em que se debatiam os vários capítulos do esquema sobre a Igreja, os Padres Conciliares votaram, definitivamente, as emendas sugeridas durante a primeira sessão, no ano passado, sobre a Liturgia. A porcentagem da aprovação foi, em todos os casos, de mais de 90%. Isso traduz a impressionante quase unanimidade com que os Bispos do mundo inteiro dizem sim a uma necessária e urgente modificação no culto. Esse é o primeiro resultado concreto do Concílio. Agora, falta apenas a promulgação da reforma, que será feita pelo Papa, e deverá ocorrer ao término da segunda sessão conciliar”. Teologicamente, este escrito do Padre Luciano Duarte parece dizer que o Vaticano II quer dar um tom de descontinuidade à tradição litúrgica. Porém, tendo em vista os seus interlocutores e a linguagem jornalística utilizada (portanto, rebaixada a um entendimento laico), e conhecendo a polidez teológica do referido sacerdote, sempre consoante com o que Igreja ensina, Monsenhor Luciano Duarte não feriu a salutar interpretação do Vaticano II que pauta pela continuidade. Até porque, no número 23 da Sacrosanctum Concilium, temos: “Para conservar a sã tradição e abrir ao mesmo tempo o caminho a um progresso legítimo, faça-se uma acurada investigação teológica, histórica e pastoral acerca de cada uma das partes da Liturgia que devem ser revistas. Tenham-se ainda em consideração às leis gerais da estrutura e do espírito da Liturgia, a experiência adquirida nas recentes reformas litúrgicas e nos indultos aqui e além concedidos. Finalmente, não se introduzam inovações, a não ser que uma utilidade autêntica e certa da Igreja o exija, e com a preocupação de que as novas formas como que surjam a partir das já existentes. Evitem-se também, na medida do possível, diferenças notáveis de ritos entre regiões confinantes”.

Logo, se o Vaticano II aggiorna a Igreja como um todo para o mundo, mesmo ela não tendo a sua finalidade para as coisas seculares, especificamente a Sacrosanctum Concilium atualiza a linguagem litúrgica, dentro de parâmetros retilíneos, para que o homem alcance Deus com meios mais próximos a si. Mas, nem por isso, a Liturgia da Igreja deixará de ser o máximo culto que podemos dispensar ao Pai, não sendo obra de intentos humanos, mas instituição do Senhor Jesus Cristo no seu Corpo Místico, pela potência do Espírito Santo. Celebramos o Pai no Cristo, por Cristo e em Cristo, graças ao Espírito Santo que age na Igreja. Portanto, as determinações da Sacrosanctum Concilium não são meramente atualizações temporais, mas uma facilitação para que o fiel seja inserido com mais afinco naquilo que celebra. Daqui, chegamos à importância e ao lugar da liturgia na Igreja, clarificados pelo documento conciliar, recorrendo, é claro, a elementos anteriores e, por isso, participantes do arcabouço teológico da Igreja: “A Liturgia […] contribui em sumo grau para que os fiéis exprimam na vida e manifestem aos outros o mistério de Cristo e a autêntica natureza da verdadeira Igreja, que é simultaneamente humana e divina, […] mas de forma que o que nela é humano se deve ordenar e subordinar ao divino, o visível ao invisível, a ação à contemplação, e o presente à cidade futura que buscamos (Hb 13,14)” (n. 2). Assim sendo, ao celebrar os divinos mistérios, o fiel é chamado a fazer de sua vida a vida da Igreja que, humana e divina, eleva os homens a Deus já no hoje da nossa existência, fazendo entrever e pré-libar a bem-aventurança eterna.

Relacionado a uma participação mais eficiente dos fiéis, a Igreja, por meio desta Constituição Dogmática, também abre o rito litúrgico para as línguas vernáculas, sem olvidar do latim. De fato, as nossas celebrações tornaram-se mais entendíveis aos que delas participam, porém, em muitos lugares, criou-se uma ojeriza à língua latina, língua eminentemente litúrgica e teológica graças à sua precisão ao passar dos séculos em dadas terminologias; ou pior, em nome de uma maior participação dos fiéis, celebramos em vernáculo, mas será que de fato a assembleia se esforça para a devida concentração do que se celebra, ou a sua participação se relega a uma passividade e alheamento como uma realidade distante de si? Aqui, habita a importância da catequese, inclusive litúrgica, dos cristãos. Isto é formação: seja em latim ou em vernáculo, o fiel precisa ser cônscio do que celebra, do seu porquê e do para que celebra, não se restringindo apenas para o ‘a quem’ celebrar. O número 54 assim reza: “A língua vernácula pode dar-se, nas missas celebradas com o povo, um lugar conveniente, sobretudo nas leituras e na ‘oração comum’ e, segundo as diversas circunstâncias dos lugares, nas partes que pertencem ao povo, conforme o estabelecido no art. 36 desta Constituição. Tomem-se providências para que os fiéis possam rezar ou cantar, mesmo em latim, as partes do Ordinário da missa que lhes competem”; já o número 36, os dois primeiros parágrafos: “§ 1. Deve conservar-se o uso do latim nos ritos latinos, salvo o direito particular. § 2. Dado, porém, que não raramente o uso da língua vulgar pode revestir-se de grande utilidade para o povo, quer na administração dos sacramentos, quer em outras partes da Liturgia, poderá conceder-se à língua vernácula lugar mais amplo, especialmente nas leituras e admoestações, em algumas orações e cantos, segundo as normas estabelecidas para cada caso nos capítulos seguintes”.

Vasculhando sobre o assunto, descobrimos algo que pouquíssimos sabem: a existência de uma Constituição Apostólica denominada “Veterum Sapientia”, de Sua Santidade João XXIII, que trata sobre o uso do latim. Este documento, datado de 22 de fevereiro de 1962, meses após a convocação do Vaticano II, ano em que este deu início, parece retratar algo que parecia indispensável ao ‘Papa Bom’: a permanência e afluência do latim como língua eclesiástica e, portanto, litúrgica. Diz-nos João XXIII: “De fato, pela sua própria natureza, a língua latina é capaz de promover, junto a qualquer povo, toda a forma de cultura; e como não suscita inveja e se apresenta imparcial para todos os povos, não é privilégio de ninguém, e, enfim, a todos aceita e reúne. […] E é necessário que a Igreja use uma língua não só universal, mas também imutável. […] Finalmente, como a Igreja Católica, tendo sido fundada por Cristo Nosso Senhor, excede significativamente em dignidade a todas as sociedades humanas, é sumamente conveniente que ela use uma língua não popular, mas rica de majestade e nobreza. […] a língua latina, que ‘com todo o direito podemos chamar católica’ (Pio XI. Carta Apostólica Officiorum omnium, 1922), pois é própria da Sé Apostólica, mãe e mestra de todas as Igrejas, e consagradas pelo uso perene, deve ser mantida como ‘tesouro de incomparável valor’ (Pio XII. Alocução Magis quam, 1951) e como porta através da qual se abre a todos o acesso às mesmas verdades cristãs, transmitidas dos antigos tempos, para interpretar o testemunho da doutrina da Igreja e, enfim, o mais idôneo vínculo, mediante o qual a época atual da Igreja se mantém unida aos tempos passados e ao futuro de modo admirável. […] E como neste nosso tempo começou-se a contestar em muitos lugares o uso da língua romana e muitíssimos pedem o parecer da Sé Apostólica sobre tal assunto, decidimos, com oportunas normas enunciadas neste documento, proceder de tal modo que o antigo e jamais interrupto costume da língua latina seja conservado e, se de alguma forma ele foi colocado em desuso, seja completamente restabelecido. […] Os Bispos e Superiores Gerais das Ordens religiosas, movidos de paterna solicitude, deverão vigiar para que nenhum dos seus subordinados, ansioso de novidades, escreva contra o uso da língua latina no ensino das sagradas disciplinas e nos sagrados ritos da Liturgia e, com opiniões preconceituosas, se permita de diminuir a vontade da Sé Apostólica na matéria e de interpretá-la erroneamente”. Interessante notarmos também algo que aconteceu nos derradeiros meses do grande pontificado do Papa Bento XVI. No último 10 de novembro de 2012, o Romano Pontífice publicou o Motu Proprio “Latina Lingua”, criando a Pontifícia Academia Latinitatis, instituto já querido por João XXIII há cinquenta anos, fato expressado na Constituição Apostólica Veterum Sapientia. Segundo o Motu Proprio expedido pelo nosso Pontífice emérito: A nova Academia deverá “favorecer o conhecimento e o estudo da língua e da literatura latina, seja clássica como patrística, medieval e humanística, especialmente nas Instituições de formação católicas que formam seminaristas e sacerdotes; e promover o uso do latim em diversos âmbitos, seja como língua escrita, como falada”. Agora, cabe-nos uma interrogação, como conjugar pastoralmente o entendimento popular com aquilo que a Igreja pensa para a Sagrada Liturgia, seja acerca do uso do latim ou da língua vernácula como idioma(s) litúrgico(s) se não houver uma catequese bem feita? Mesmo utilizando o latim como idioma celebrativo, o povo deve ser cônscio daquilo que celebra. Com isso, frisamos que não estamos aqui para defender ou não o uso desta língua clássica dentro da estrutura litúrgica, mas ponderarmos juntos sobre esta questão: o povo está preparado para esta realidade?

Outra temática que nos veem à tona, bastante discutida por muitos, é a posição do sacerdote para o Sacrifício da Missa: versus Deum ou versus Populum. O termo versus Deum é uma evolução do que, desde a antiguidade dos primeiros séculos da Igreja, se chamava ad Orientem. Segundo a história da Liturgia, durante a maior parte dos últimos dois milênios, na Igreja Latina, a Santa Missa foi celebrada estando o sacerdote voltado para o oriente, seja o oriente real (geográfico) ou litúrgico (místico). Por isso ser chamada celebração ad orientem. O oriente é, para nós da Igreja Romana, a direção em que se localiza Jerusalém, a cidade que é modelo do paraíso (chamado de Nova Jerusalém) e onde Nosso Salvador foi morto no madeiro da cruz. Também no oriente nasce o sol e Jesus Cristo é o verdadeiro Sol, pois é a luz do mundo. Por fim, segundo a tradição bíblica, é do Oriente que Jesus retornará (cf. Mt 24,27). As igrejas, no passado, geralmente eram construídas voltadas para o oriente. O oriente passou a ser antes o oriente litúrgico que o oriente real. Estando o sacrário, em geral, no fundo dos presbitérios, ou mesmo a cruz com o Cristo pendente, o sacerdote celebrava voltado para ele, volvendo-se para a assembleia nas admonições e para a homilia, independentemente da arquitetura da igreja. Desde então, a maior parte das igrejas foi construída tendo o altar grudado a um retábulo, ambos no fundo da nave ou no fim do presbitério. A celebração nesta forma também era chamada de coram Deo (na frente de Deus). Com uma falsa interpretação do Concílio Vaticano II, muitos altares fixos aos retábulos foram destruídos; muitos deles verdadeiras obras de arte que se esvaíram. Embora a Sacrosanctum Concilium não faça alusão direta à disposição do altar no corpo do edifício litúrgico, esta discussão é advinda da época pós-Vaticano II, graças àquilo que o Concílio previa acerca da reforma dos livros litúrgicos, dentre eles o Missal Romano; apenas o documento do Vaticano II sobre a Liturgia enceta que a contemplação é prioritária e que toda a celebração da Santa Missa deve ser orientada para os mistérios celestes, portanto, no entendimento dos que defendem a tradição litúrgica, este intento de contemplação dos mistérios celestes faz com que seja salutar a celebração voltado para o Senhor, representado na cruz que encima o altar, ou mesmo diante do Santíssimo Sacramento.  No entanto, com o desenvolver daquilo que fora promulgado no Vaticano II, a Instrução Geral ao Missal Romano para a Terceira Edição Típica, a utilizada atualmente, reza: “O altar mor seja construído afastado da parede, a fim de ser facilmente circundado e nele se possa celebrar de frente para o povo, o que convém fazer em toda parte onde for possível” (n. 209). No entanto, esta determinação da Instrução ao Missal Romano não contraria o que já se fazia anteriormente, a missa versus Deum, muito pelo contrário. Prova-nos isto o que Bento XVI disse na Carta Apostólica sob a forma de Motu Proprio “Summorum Pontificum”: “Quanto ao uso do Missal de 1962 (e, obviamente também às suas instruções), como Forma Extraordinária da Liturgia da Missa, quero chamar a atenção para o fato de que esse Missal nunca foi juridicamente ab-rogado e, consequentemente, em princípio sempre continuou permitido. […] Não existe nenhuma contradição entre uma edição e outra do Missale Romanum. Na história da Liturgia, há crescimento e progresso, mas nenhuma ruptura”. Para os mais tradicionais, em acusação aos mais progressistas que entendem que é mais adequado ao povo que o padre a eles esteja voltado, o fato de celebrar versus Deum, antes de distinguir o sacerdote do povo que celebra, quer ser um gesto igualitário entre eles: o sacerdote é apenas o primeiro dos que prestam o culto a Deus, assim, todos estão para o Oriente, para Deus. Isso tendo sempre em mente que antes de ser um banquete a Missa é um sacrifício. Por este motivo, estando o rito e tudo quanto dele participa dentro da celebração da Santa Missa orientados para o sentido da glorificação e da adoração de Deus, a presença de Cristo, seja representada por uma cruz com uma imagem sua, seja pela Divina Eucaristia custodiada no sacrário, manifesta-se como elemento central, sobretudo, no momento da Consagração e da Sagrada Comunhão. Quanto mais isto mesmo for respeitado, tanto menos o homem se colocará no centro da celebração, tanto menos a celebração se assemelhará a um círculo fechado, mas, pelo contrário estará aberto, mesmo de uma forma exterior, para Cristo, como numa verdadeira procissão que se dirige para Ele, com o sacerdote à cabeça.

O Missal de Paulo VI (como é conhecido o que está sendo utilizado na forma ordinária do Rito Romano) não deixa de possuir ‘respingos hereditários’ do que era previsto no Missal anterior ao do Vaticano II, ou seja, o de Pio V, reformado por João XXIII. Assim sendo, nas rubricas do Ordinário da Missa, temos: 1) Nos Ritos Iniciais: “O sacerdote, voltado para o povo e abrindo os braços, saúda-o...”; 2) Na Liturgia Eucarística: “No meio do altar e voltado para o povo, estendendo e unindo as mãos, o sacerdote diz: Orai, irmãos e irmãs...”; “O sacerdote faz genuflexão, toma a hóstia e, elevando-a sobre a patena, diz em voz alta, voltado para o povo: Felizes os convidados para a Ceia do Senhor...”; ou ainda: “O sacerdote, voltado para o altar, reza em silêncio: Que o Corpo de Cristo me guarde para a vida eterna”. Em seu artigo para a revista francesa “L’Homme Nouveau”, edição 1511 de 15 de janeiro de 2012, o Bispo Dom Athanasius Schneider, Bispo Auxiliar de Astana, Cazaquistão, recorre a uma afirmação de Bento XVI no seu prefácio ao primeiro tomo das suas obras completas: “A ideia de que o sacerdote e a assembleia devem estar a olhar-se no momento da oração nasceu entre os modernos e é absolutamente estranha à cristandade tradicional. O sacerdote e a assembleia não se dirigem mutuamente uma oração, mas é ao Senhor que ambos se dirigem, eis porque, na oração, eles mesmos devem olhar na mesma direção: ou para o Oriente, como sendo esta direção o símbolo cósmico do regresso do Senhor, ou então, onde isto não seja possível, para uma imagem de Cristo situada na ábside, para uma cruz ou muito simplesmente para o alto.” O Papa Bento XVI, para tentar retomar o sentido do oriente litúrgico, sem causar grandes reboliços, aventou uma forma nova de preparar o altar, chamada, em sua homenagem, de “arranjo beneditino”, que consiste em colocar, na frente do altar, quando da celebração versus populum, seis candelabros com velas e uma cruz no centro, voltada para o celebrante. O celebrante, então, volta-se para o Crucificado enquanto oficia a Missa, sendo assim versus Deum. Ao mesmo tempo, o povo o vê por trás da cruz, sendo assim também versus populum.

Mediante a apresentação destas três temáticas litúrgicas, não o fizemos aleatoriamente, mas com o intuito de ponderar acerca de certas realidades permeadas pelo desconhecimento total ou parcial de nossos fiéis, mas que, volta e meia, estão em voga. Se em muitas circunstâncias existem contrariedades na Liturgia, esta problemática não se dá pelo que prescreve o Vaticano II através da Sacrosanctum Concilium, mas por uma interpretação errônea que muitos fazem ou são passíveis. Poderíamos tratar de tantos outros assuntos, no entanto, o tempo e as condições se fazem abreviados para explorarmos a ‘bagagem’ teológica e pastoral atinente a este protodocumento conciliar. Por tal motivo, encorajemo-nos mutuamente para, como comunidade de louvor, isto é Igreja, Corpo de Cristo, Esposa que dialoga com o seu Amado por meio de nossas liturgias, exercício sacerdotal do Cristo, vivermos na dinâmica imensamente apregoada: Lex credendi – Lex orandi – Ars celebranda; serviço máximo ao Senhor para a nossa santificação e Sua glória. Que Deus nos abençoe neste intento!

Por Seminarista Everson Fontes


Em seguida, o seminarista Gustavo Luz, concludente do curso de Filosofia, expôs uma síntese de seu trabalho monográfico, o qual trata do seguinte tema: “A crítica à modernidade proposta por Descartes à luz de Edgar Morin”.









A CRÍTICA À MODERNIDADE PROPOSTA POR DESCARTES À LUZ DE EDGAR MORIN

Este trabalho tem como intuito vislumbrar a leitura que o pensador contemporâneo Edgar Morin faz a respeito das contribuições de René Descartes para a formação do paradigma moderno e de como esses contributos perpassaram até a nossa contemporaneidade.Utilizamos como base para o desenvolvimento do presente trabalho a obra Ciência com Consciência (2010) e o Discurso do Método (1979). É preciso salientar que, de antemão que a leitura moriniana, no tocante a essas influências cartesianas é negativa,o estudioso vê que o pensamento dele contribuiu para a formação de um paradigma simplificador, criando uma realidade reducionista.

            Nessa perspectiva, foi apresentada a modernidade em linhas gerais e como se deu o processo de instauração da mesma e de alguns importantes pensadores deste período, entre eles, está o filósofo francês René Descartes no qual nos delimitamos dando uma maior ênfase.  A modernidade é tida como a ruptura do paradigma medieval (centrado na tradição) para um “novo” que está centrando na racionalidade, sendo assim, esse período que envolve os séculos XVI e XVII é formado por transformações que envolvem a formação do homem como um todo. Com isso, formula-se um novo método científico superando as explicações míticas e dogmáticas e contrapondo-se as concepções tradicionais (homem, mundo, tempo e natureza).

            Quais aspectos traz a modernidade na perspectiva de Descartes? Na sua obra Discurso do Método (1996, p.37),destaca a ideia de que a razão é algo inato ao homem “[...] bom- senso ou razão é naturalmente igual em todos os homens.” Eis o argumento utilizado por Descartes para fundamentar a existência do “eu pensante”, à razão como algo inato ao homem. Agora o homem é o centro e não mais a tradição, o racional legitimará o bem emal, falso everdadeiro... Consciente disso, o homem se desliga da superstição, pondo a ciência como a detentora do saber e como única forma para se chegar à verdade.

            Que leitura Morin faz das contribuições de Descartes para esse período? Para ele, o ponto de partida para compreender essa realidade está em “[...] dispor de pensamento capaz de conceber e de compreender a ambivalência, isto é, a complexidade intrínseca que se encontra no cerne da ciência.” (MORIN, 2010, p.16). Nessa perspectiva, Morin afirma que: “O desenvolvimento científico comporta um certo número de traços ‘negativos’ que são bem conhecidos, mas que, muitas vezes, só aparecem como inconvenientes secundários ou subprodutos menores.” ( MORIN, 2010, p.16). Com essa objetivação do mundo para conhecê-lo, surge um novo processo para obter-se o conhecimento. Para tanto, Morin faz apontamentos sobre o lado mau da ciência moderna que são divididos em três eixos: 1°: o problema da ordem; 2°: o problema da separação das disciplinas; 3°: o problema da razão; A sua proposta é buscar um pensamento complexo (complexus: “do que é tecido junto”), para isso, ele traz como peça fundamental a dialógica e ambivalência fazendo uma relação de complementariedade.

No primeiro capítulo, falamos em modernidade e somos levados a um campo vasto, por isso, é necessário que façamos uma delimitação da temática e que fique claro que dimensão será abordada, pois com o tempo este termo vem sendo empregado, indevidamente, causando um empobrecimento semântico. Primeiramente, foi feita uma reflexão sobre a modernidade levando em consideração uma contextualização do período que a antecedera, conhecido como medieval. Sendo assim, temos uma visão global da realidade em que a modernidade surgira e como se deu o processo de formação e transição.

É preciso iniciar essa reflexão compreendendo a raiz etimológica da palavra modernidade (deriva de moderno em latim modernus: recentemente, agora mesmo); logo, nota-se que há um início de um novo período e,consequentemente, outro paradigma. Surgiu na Europa no século XVII como novo parâmetro para a realidade dada, uma verdadeira revolução no pensamento científico, chegando a influenciar de forma mundial. Inaugura-se um “novo” período,cuja racionalidade está centrada na subjetividade em que a ciência descobre que por si só é possível conseguir chegar as suas verdades, desligando-se da filosofia fator que perpassará até a contemporaneidade. Acerca disso, afirma Japiassú, “[...] inaugurada pelo Renascimento e que se contrapõe à escolástica e ao espírito medieval, desenvolvendo-se nos séc. XVI e XVII com Francis Bacon, Galileu e Descartes, dentre outros, até o Iluminismo do séc. XVII, do qual é a principal expressão.” Para o autor, o surgimento da modernidade trouxe consigo o rompimento definitivo entre fé e razão, contrapondo-se com os paradigmas vigentes. Acerca disso, Marcondes ratifica:

A modernidade se caracteriza por uma ruptura com a tradição que leva à busca, no sujeito pensante, de um novo ponto de partida alternativo para a construção e a justificação do conhecimento. O indivíduo será, portanto, a base deste novo quadro teórico, deste novo sistema de pensamento. É precisamente nisto que consiste o paradigma subjetivista na epistemologia. (1999, p.20, grifo do autor).

            De acordo com este autor, a passagem do paradigma medieval para o moderno foi um momento de transformação; ruptura; deixa-se o teocentrismo. Delineando-se um paradigma da racionalidade, em que a ratio (do latim razão) é a grande libertadora das crenças, superstições, explicações míticas, dogmas e, sobretudo, se contrapondo as concepções tradicionais fundamentando-se na própria subjetividade e não mais na autoridade absoluta política e religiosa.

Vê-se que diferentemente da realidade contemplativa, a que se propunha a filosofia antiga e de uma ciência submetida às razões da fé idealizada pela Idade Média, o novo paradigma está associado à techné (do grego: técnica, prática planejada) dando ao homem meios para que ele possa sair da situação de ignorância em que se encontra e passe a dominar e exercer o controle sobre a realidade que o cerca através da manipulação, pondo em alta as questões epistemológicas.

Sendo assim, o mundo moderno distingue-se do antigo, pelo fato de, abrir-se ao “novo” opondo-se ao paradigma vigente até o momento. Há um início de uma nova realidade histórica, que será marcada pela independência dos valores tradicionais, dos paradigmas vigentes, por um nascimento do progresso, desenvolvimento, antidogmatismo, crise, etc; e que, posteriormente, gerará uma verdadeira revolução, chegando até os nossos dias.

Ao longo da reflexão e da tentativa de conceitualização das influências e das mudanças que deram início ao novo paradigma transita o nascimento de uma nova fase da história da humanidade. Surge um novo período, em que o homem passa a buscar sua liberdade através do uso da razão.

            No segundo capítulo,refletimos sobre a contribuição do filósofo e matemático francês René Descartes (1596- 1650) para a construção do período moderno. Conhecido como o “pai” da modernidade, título concedido por sua notável contribuição, ele é considerado o mais importante entre os que contribuíram para a formação e instauração do paradigma moderno. Por conseguinte, as suas contribuições persistem e ainda continuam influenciando o homem contemporâneo, seus contributos permeiam diversos campos entre eles estão: ciência, educação, filosofia, o próprio homem, etc.

O pensamento cartesiano está inserido em um período marcado por uma reflexão antropocêntrica, ou seja, a realidade está voltada para o homem, diferentemente, do paradigma até então vigente, no qual a realidade estava focada em Deus. Assim, surge uma nova maneira de abordar o conhecimento que antes valorizava a relação sujeito e objeto, agora a tônica recai sobre o sujeito pensante e não tanto no objeto. Acerca disso, afirma Descartes (1979, p. 47):

E, notando que esta verdade: penso, logo existo, era tão firme e tão certa que todas as mais extravagantes suposições dos céticos não seriam capazes de a abalar, julguei que podia aceitá-la, sem escrúpulo, como o primeiro princípio da Filosofia que procurava. 

            Com a citação acima, percebe-se que o cogito inaugura um novo princípio que fundamentará a sua busca pelo conhecimento e este será o cerne da sua construção filosófica e teoria do conhecimento.

A cultura racionalista está baseada no método dedutivo e em sua perspectiva, o mundo é visto como uma máquina perfeita sobre os princípios cartesianos que são: 1- Ordem; 2- Separabilidade, 3- Redução, 4- Razão. Caracteriza-se por uma realidade mecanicista e determinista, que busca a supervalorização da razão e a “emancipação” dos homens, tal realidade gera efeitos desastrosos na ciência, na ética, no homem, na sociedade, etc.

Nas Meditações Descartes afirma (1979, p.134): “[...] é certo que eu, isto é, minha alma, pela qual eu sou o que sou, é inteira e verdadeiramente distinta de meu corpo e que ela pode ser ou existir sem ele.” E como consequência do Cogito que fora acentuada foi o dualismo[1] formando uma dicotomia entre corpo e consciência. Sobre isso, afirma Vasconcellos:

Ao assumir uma posição dualista no que diz respeito à questão ontológica da relação entre o pensamento e o ser, fracionou oficialmente o mundo em material e espiritual, corpo e mente, nos seres vivos. Admitia duas substâncias: uma das coisas, cujo é a extensão (res extensa); e outra do sujeito pensante (ego cogitans), cujo atributo é o pensamento; portanto, dois princípios independentes, um material e um espiritual. Como vimos, instala-se aí a separação entre filosofia (o domínio do sujeito, da meditação interior) e ciência (o domínio da coisa, da medida, da precisão). E aí estão as raízes da disjunção entre cultura humanista e cultura científica. (2002, p.62).

            A autora acima afirma que, a posição dualista cartesiana acaba por dividir o mundo, formando um verdadeiro paradoxo. Sendo que, é nessa realidade que se dá a separação entre a filosofia que está voltada para ego cogitans (voltando-se para o campo interior, responsável pelo pensamento) e a ciência res extensa (voltando-se para o material, precisão, medida, etc.). Vê-se que o cogito influencia decisivamente na vida e comportamento do homem moderno, exacerbando o uso da razão e anulando a dimensão corpórea e o campo dos sentimentos.

Sendo assim, o pensamento do filósofo e matemático francês ainda continua sendo usado como paradigma para a modernidade. O contributo cartesiano para o período moderno foi notável e perpassaram diversos campos (do conhecimento ao agir), não obstante, essa influência é sentida na contemporaneidade.

No terceiro capítulo, propomo-nos fazerum diálogo entre Descartes que fora apresentado no capítulo anterior e Edgar Morin[2], mostrando uma leitura moraniana a respeito do que fora proposto por Cartesius durante a formação do paradigma moderno. Diante de todo o contexto da modernidade e do que é proposto o novo paradigma para humanidade, chegando até a nossa contemporaneidade.Propomos que, embasado no pensamento de Morin focalizemos sua crítica em dois aspectos da filosofia de Descartes: A mecanização e A fragmentação, assim como também buscaremos apresentar uma análise sobre como se deu a formação do paradigma cartesiano. Sua também crítica está voltada para dúvida no sentido de uma consciência de um saber incerto e da sua visão a respeito da “miséria epistemológica” das ciências humanas e sociais. A crítica moriniana aponta para a complexidade que constitui o ser humano e suas relações, pretendendo oferecer as bases epistemológicas de uma “política do homem”, ou melhor, de “uma política de civilização”. Por isso, para Morin é preciso que se faça uma mudança epistemológica, onde o conhecimento estará voltado para uma teoria da complexidade[3].

Com o pensamento cartesiano, formou-se uma filosofia do sujeito que consistia em um “EU” que não duvida que duvida, com isso, surge o fundamento último de seu pensamento que culmina na filosofia moderna. Com o dualismo res cogitans e res extensa trabalhado anteriormente, o homem fica situado metafisicamente entre ele e Deus, cuja capacidade humana não consegue atingir, nesse contexto surge o fechamento em si, enquanto, o campo científico foi se distanciando do objeto do conhecimento. E em um segundo momento, na sua relação com a natureza, privando-a a uma finalidade e submetendo-a as leis mecânicas, para tanto, Morin faz uma leitura negativa de Descartes como iniciador do racionalismo moderno. E ele nos diz que, “a exclusão do sujeito efetuou-se na base de que a concordância entre experimentações e observações por diversos observadores permitia chegar ao conhecimento objetivo.” (Morin, 2010, p.137). Dessa forma, o mundo passa a ser visto como uma concordância entre o racional e a realidade buscando a coerência entre ambos, uma ruptura e descontinuidade com proposta do saber anterior, afirmando assim, a necessidade de que as ações e sociedade fossem movidas por uma razão individualizada.

 O paradigma simplista. Em que consistia? O mesmo tem por finalidade dividir em quantas partes forem possíveis para que se chegue ao conhecimento do objeto, com isso, gerou-se a compartimentalização do saber e não se têm mais uma visão do todo e sim das partes do todo. É nessa perspectiva que Morin faz uma leitura negativa desse saber fragmentado influenciado pelo “pai” da modernidade e propõe que se busque um novo paradigma, que se busque o todo, que o conhecimento esteja “tecido junto”. Pois muitas vezes, é nesse vácuo entre um campo do conhecimento e outro que se encontram as respostas. Para isso, propor-se-á a busca por um pensamento complexo (do que é tecido junto) para então se aproximar mais do todo e procurar dar respostas às realidades complexas que surgem no cotidiano.

Com isso, far-se-á necessário a implantação de um paradigma que procure mais que a interdisciplinaridade, mas que busque a teia do conhecimento onde todas as áreas estão intrinsicamente ligadas, sendo assim, insurge o pensamento complexo que como foi dito anteriormente consiste em buscar a formulação de um conhecimento numa perspectiva do todo, uma razão aberta, um conhecimento interligado.

Nessa perspectiva, Morin faz uma leitura daquilo que fora a modernidade e das influências de Descartes, sendo assim, ele nos traz uma leitura negativa dos aspectos cartesianos, entre eles estão: a mecanização, a fragmentação, a racionalização, a intersubjetividade, a simplificação, a razão fechada. E estes segundo este pensador contemporâneo, perpassam da modernidade até a contemporaneidade influenciando de forma significativa na formação do homem e do seu relacionamento com o cosmo. Na sua crítica, Morin espera que haja uma mudança paradigmática e assim saíamos do paradigma moderno da simplificação para um que propõe a complexidade onde haja uma razão aberta que veja a ambivalência presente no mundo e na formação do conhecimento.

            Sendo assim, se o pensamento fomentado pelo paradigma simplista não está conseguindo responder a complexidade que nos circunda, far-se-á necessário a substituição do mesmo por um que consiga englobar essas partes que fazem parte de um todo. E é nesse contexto que Morin insurge com a teoria da complexidade, visando esse diálogo ambivalente entre as partes que ao mesmo tempo é ordem-desordem; certo- incerto; causa- causante; assim, nesse paradoxo é que se aproxima mais do objeto a ser conhecido. É nesse contexto afirma Petraglia que ele, propõe para esse milênio o princípio de incerteza como norteador da humanidade, assim, é necessário que se busque conviver e compreender com as contradições, para se compreender os limites e as insuficiências de um pensamento simplificador.

            Para Morin, o sistema se organiza na relação das diferenças em seu meio. É nesse antagonismo que as partes se relacionam numa complementariedade, sendo assim, é embasado no princípio da identidade em que cada qual tem,que se participa desse todo que o envolve.Não obstante, a sua proposta é pela substituição do paradigma simplificador moderno pelo que está nascendo, o complexo. É muito mais que uma virada epistemológica o que é proposto, é uma mudança paradigmática, onde o complexo submerge o simplificador. Nessa perspectiva, o estudioso defende a relação existente entre afetivo e intelectual que são indissociáveis ambas fazem parte desse todo que é o antropos, que para o pensador é um ser “biocultural” (formado por 100% biológico e 100% cultural). 

Destarte, propor-se-á ter uma visão complexa mediante uma ambivalência que nos faz interagir com a desordem que supõe um grau de organização. Eis o método que nos é proposto por Morin:o princípio da complexidade. Posteriormente, no que se refere à separabilidade da ciênciaonde muitas vezes as respostas estão nesse vácuo deixado entre uma ciência e outra, far-se-á necessária à instauração de um novo paradigma e este promoverá a transdisciplinaridade, dando-nos um conhecimento complexo não obstante ao paradigma simplista em que vivemos.

Tenho dito! 




[1]“Rótulo mais comum dado à idéia cartesiana de que há dois tipos de substância, mente (ou ‘substância pensante’) e corpo (ou ‘substância extensa’), cujas naturezas são radicalmente opostas.”(CONTTINGHAM, Jonh. Dicionário de Descartes. Trad. Helena Martins. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995).

[2]“ (1921- ) Pensador original e fecundo, o francês (nascido em Paris) Edgar Morin começou a desenvolver sua reflexão sob a influência de Hegel, de Lukács e de Sartre, sobretudo acerca do materialismo dialético. Ao ser expulso do Partido Comunista Francês (1951) por criticar o marxismo ‘oficial’, que mascara os verdadeiros problemas e se torna dogmático, Morin passou a defender a tese de uma totalidade ‘aberta’ e de um pensamento ‘planetário’, revendo e criticando todas as formas dedogmatismo.”(JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1996, p.188).
[3]“Define-se como ‘teoria da C.’ uma vasta tendência anti-reducionista que se desenvolveu emváriossetores de pesquisa científica a partir do início do século XX e culminou nos anos 1980 num verdadeiro movimento epistemológico, que congregou autores europeus, sul-americanos e norte-americanos”. (ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Tradução Alfredo Bosi. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 182).

Por Seminarista Gustavo Luz











Ás 17h00, o Prof. M. Sc. Pe. Rodrigo Fraga Sant´anna iniciava sua palestra sobre o tema: “Um capítulo da Reforma Litúrgica no Brasil: Diretório para missas com grupos populares”.






Na terceira noite da XVI Semana Filosófica e XI Teológica, o Prof. M. Sc. Pe. Roberto Benvindo dos Santos ministrou a Conferência "A Reforma da Liturgia e o Missal Romano", o mesmo teve como mediador o Prof. M. Sc. Pe. Rodrigo Fraga Sant'anna. O tema, muito pertinente, foi muito bem desenvolvido. 

Tratou-se, a princípio, de uma situação histórica da Sagrada Liturgia da Igreja e que, associada com a mesma, permanece a reforma do Missal Romano do Papa São Pio V que foi principiada pelo Beato Papa João XXIII quando da convocação do Sacrossanto Concílio Ecumênico Vaticano II e continuado por seu venerável sucessor o Papa Paulo VI.

O Pe. Roberto fez uma periodização no que tange à Celebração da Santa e Divina Liturgia desde os primários séculos do Cristianismo, cortando os séculos posteriores até o pontificado do Papa Pio V, um dos pontos cruciais para a Reforma Litúrgica feita pelo Vaticano II.

Vale destacar um ponto capital mencionado pelo conferencista: a aproximação que em tempos de outrora existia, desde os tempos apostólicos, entre as duas mesas, a saber: A Mesa da Palavra, o Ambão, e a Mesa do Pão Eucarístico, a Ara, que estavam sendo dissociadas. O Ambão ficou esquecido, porquanto, do altar e no próprio missal, o sacerdote lia a Epístola e o Evangelho.

A Reforma Litúrgica passara por esse prisma: em evidenciar a unidade da Celebração Eucarística, vislumbrada pela participação no que ficou denominado posteriormente ao Concílio, como o "Pão da Palavra e o Pão da Eucaristia". Tal colocação faz-nos remeter ao quadro dos discípulos que peregrinavam rumo a Emaús. Neste ínterim, o Senhor abre-lhes a inteligência pela palavra da Escritura e quando chegam àquela aldeia, mostra-lhese permanece na fração do Pão Eucarístico. A experiência mística daqueles dois e da Igreja quando oferece ao Pai a Hóstia de Louvor deve ser o pedido dos mesmos: "fica conosco Senhor! É tarde e o dia já declina!" (cf. Lc 24)

Neste sentido, a Missa, como dizia São Pio da Pietrelcina "é o sol da Igreja" e a participação ativa dos fiéis é obtida quando é cônscia quando se sabe: "quem celebra, onde celebra e quando se celebra". Desta maneira, podemos constatar a guinada da Reforma no Vaticano II pelo fato dos manuais e orientações ficarem disponíveis á "Assembleia Litúrgica", os batizados, que, como ensina a Sacrosanctum Concilium, é uma das presenças de Cristo na Liturgia.














Fotos: Seminarista José Dalmo