27.11.14

XVII Semana Filosófica e XII Teológica - 2º dia

O segundo dia começou com a apresentação de trabalho do Seminarista concludente do curso de Filosofia Joranne Fagner. O tema “A ação transformadora do homem em Hannah Arendt” foi apresentado em 30 minutos, com perguntas dos presentes.

Seminarista toma nota dos questionamentos apresentados

O trabalho foi apresentado à banca examinadora no último dia 21

Texto de apresentação:

A ação transformadora do homem em Hannah Arendt

Deflagrar atos sempre foi uma característica do homem, através do seu movimento percorreu a Terra e se adaptou a ela. Nestes atos encontram-se intenções diversificadas, elas ditam o processo iniciado, podendo eles ter um fim ou não. O papel do homem, portanto, é racional, ele intenciona o que deseja realizar. Porém, esta sequência intenção-ação não encerra o modo de o homem agir, seja consigo mesmo, seja com o que o rodeia; isto porque dimensões tangíveis e intangíveis rondam a humanidade, uma prova disto é a natureza humana, sobre a qual não há consenso entre os saberes; outra prova são as desafiantes questões metafísicas, das quais fazem parte as intrigantes perguntas sobre a possível realidade póstuma. 

Á parte as faculdades humanas, mas não as excluindo, relacionadas ao raciocínio, ao intelecto ou as desafiantes questões supracitadas, Arendt, no livro A condição humana, base para nossa pesquisa, sente-se interpelada pelos horrores causados pelas grandes guerras e sistemas totalitários do século XX. Isto fez com que a Filósofa se perguntasse o que a humanidade estava fazendo e para onde ela estava indo. Tais horrores desafiaram a maneira de Arendt pensar o homem, eles foram basilares no interesse dela pela existência humana.

Hannah Arendt nasceu em 14 de outubro de 1906, na cidade de Hanôver – Alemanha, e morreu no dia 4 de dezembro de 1975, em Nova York. É considerada uma das mulheres mais influentes do século XX. Filósofa, não gostava de ser considerada como tal, preferia que suas inserções fossem classificadas como teorias políticas. Arendt foi contemporânea do regime nazista, por causa deste emigrou para os Estados Unidos, onde permaneceu apátrida durante 12 anos, depois, recebeu a cidadania americana. Neste país, lecionou na Universidade de Chicago e na New School for Social Research, em Nova York, onde permaneceu até à sua morte. 

Contemporânea desse regime e perseguida pelo mesmo, Arendt acredita que a compreensão da vida passa pelo cuidadoso exame e perseverança consciente perante os fardos próprios do tempo em que se vive; ela defende um realismo capaz de excluir qualquer inércia, de modo que o homem não se curve ao peso da realidade, mas a encare e a resista. Hannah Arendt é avessa a qualquer organização que marginalize as manifestações do homem, pior, que exclua o direito de expressão do mesmo. Sobre o poder, cuja larga utilidade se verifica em governos constituídos, e acerca desta aversão, a Autora assinala:

O poder só é efetivado onde a palavra e o ato não se divorciam, onde as palavras não são vazias e os atos não são brutais, onde as palavras não são empregadas para velar intenções, mas para desvelar realidades, e os atos não são usados para violar e destruir, mas para estabelecer relações e criar novas realidades. (ARENDT, 2013, p. 249).

Influenciada pelos desafios de sua época, ela apregoa concepções voltadas à centralização do pluralismo na política, o qual poderia ser gerador de liberdade entre as pessoas, uma pregação contrária ao que se verificava nos regimes totalitários instalados no século XX. Arendt reflete o homem desde o seu aparecimento na Terra até o seu perecimento carnal, ele é explorado a partir de sua particularidade quando no primeiro contato com o mundo, ainda recém-nascido. Assim, Hannah Arendt é terminante em lembrar que o ser humano se adapta ao habitat encontrado, e neste encontro há inevitáveis indagações, das mais simples as misteriosas. 

Neste sentido, considerada a particularidade do homem, a sua adaptação ao mundo, os seus constantes questionamentos acerca deste, a sua convivência com a natureza, os desafios que ela lhe impõe, o lidar com os demais humanos, o legado herdado pelos antepassados, o presente desafiador e o futuro velado pela incerteza, inevitavelmente o homem se questiona acerca da sua existência, e não só, acerca também do mundo em que vive, deste locus comum, no qual milhares de pessoas e demais seres partilham do mesmo habitat. Hannah Arendt afirma ser a pluralidade a condição de toda a vida política “A pluralidade é a condição da ação humana porque somos todos iguais, isto é, humanos, de um modo tal que ninguém jamais é igual a qualquer outro que viveu, vive ou viverá.” (ARENDT, 2013, p. 9-10). Assim, diante desta condição e de tais considerações, como o homem pode, a partir de sua singularidade, significar e agir no mundo?

A condição humana, expressão que dá nome ao segundo livro de Arendt, corresponde a soma total das atividades e capacidades humanas. Dela desponta a vita activa, cuja composição é caracterizada pela atividade do trabalho (relacionado a realidade biológica do homem, ou seja, a necessidade sempre recorrente de sobreviver, seu bem supremo é a própria vida), da obra (caracterizada pela edificação do artifício humano, isto é, de um mundo paralelo ao natural) e da ação (atividade que se dá entre os homens, sem mediação de qualquer material, ela ocorre na pluralidade, é o puro relacionamento entre os seres humanos). Estas atividades representam a humanidade, nelas se encontram os meios para a significação e atuação no mundo, este, portanto, é constantemente transformado por elas.

Desenvolvemos este trabalho em três capítulos. No primeiro, depreendemos o conceito de vita activa para Hannah Arendt, a vita activa arendtiana diz respeito ao cuidado dos assuntos público- políticos. Esta discussão reflete a maneira como a humanidade lida com os espaços que ocupa, em dimensões particulares e coletivas. Em relação a existência humana, sob uma ótica analítica do passado ao presente, Hannah Arendt indica que o agir e o pensar se constituíram dois caminhos, não necessariamente antagônicos, tomados pelo homem no assumir de um modo de vida. Neste sentido, a Filósofa se debruça a compreender a oscilação humana quando em sua relação intrapessoal, interpessoal e com o mundo; esta oscilação está diretamente ligada a vita activa e a vita contemplativa, a qual difere dos assuntos público-políticos, caracterizando-se por um modo de vida voltado para a contemplação do saber refletido, demonstrado e metafísico.  

A palavra mundo é largamente usada por Arendt em suas inserções político-filosóficas, podendo implicar uma generalização complexa de ser pesquisada. Porém, nesta pesquisa, o mundo do qual fala a Autora deve ser entendido pelo prisma da pluralidade, ou seja, caracterizado como um lugar de encontro e de acontecimento das diferenciações humanas, pois, ele não deve ser interpretado como um lugar de uma única manifestação, mas, como a morada de múltiplas revelações étnicas e culturais. A palavra mundo não especifica uma localidade deste, nem tampouco pretende abarcar toda a sua complexidade, enquanto diversidade de caracteres geográficos ou populacionais, mas expressa o habitat comum de todos os homens.

Prosseguindo o seu pensamento acerca da vida, Arendt aponta que as atividades do trabalho, da obra e da ação estão intimamente relacionadas com a condição mais geral da existência humana: o nascimento e a morte, a natalidade e a mortalidade. No ínterim do nascimento à morte, podemos encontrar todas as características arendtianas da condição humana. Desde o trabalho até à ação o homem se deixa conhecer, de sua realidade mais biológica até às mais detalhadas expressões do agir, manifestas em cada olhar, gesto ou palavra. As três representações têm elo direto com a natalidade “na medida em que têm a tarefa de prover e preservar o mundo para o constante influxo de recém-chegados que nascem no mundo [...]” (ARENDT, 2013, p. 10).

No segundo capítulo, explicitamos as diferenças entre as duas primeiras dimensões da vita activa: trabalho e obra. A filosofia arendtiana reserva ao trabalho uma produtividade particular, distinta dos objetos que acrescem o artifício humano, esta é a própria vida. Arendt destaca que o trabalho está apenas para sobrevivência, garantia de reprodução da espécie, nada mais fora disto. Tal produtividade não se refere a nenhum objeto que garanta a vida humana, mas reporta à força humana, a qual é capaz de criar excedente, não se esgotando depois da produção do que lhe interessa, ao contrário, renova-se para início de um novo processo. O trabalho é o primeiro modo pelo qual o homem se manifesta enquanto partícipe de um grande ciclo, é também uma imagem daquilo que é a natureza, numa constante labuta e descanso, onde os seres vivem e sobrevivem atravessando a sucessão dos dias. Aqui, tem-se o homo laborans, este trabalha segundo suas necessidades mais básicas, ele é o que exerce o trabalho e “se mistura com”, ou seja, pela sua necessidade biológica de se suster, estabelece relação com a natureza, misturando-se com ela, no objetivo de consumir seus frutos e sobreviver. 

Nesta exposição, Hannah Arendt adiciona o “mundo construído pelos homens”, que corresponde à atividade da obra. Esta é caracterizada pelo início, meio e fim do processo usado para fabricação do objeto que acrescerá o artifício humano. A atividade da obra se caracteriza terminada quando o objeto a que se propõe fazer está pronto. Esta atividade é destinada somente para o acréscimo do mundo artificial, edificado pelo homem. Aqui, tem-se o homo faber, produtor e construtor de artifícios, adicionador de coisas no mundo, ele é o que “opera em”, o qual tem a função basilar de dar ao homem estabilidade em sua passagem pelo mundo. 

Na atividade da obra, Hannah Arendt assinala que os homens tem poder sobre os seus produtos, podendo destruí-los no momento em que desejarem. Neste sentido, outro ponto abordado é o nível da relevância dos objetos produzidos pela obra “nenhum objeto de uso é tão urgentemente necessário ao processo vital que o seu fabricante não possa arcar com sua destruição e sobreviver a ela”. (ARENDT, 2013, p. 179). Nesta particularização da atividade da obra Hannah Arendt afirma:

O homo faber é realmente amo e senhor, não apenas porque é o senhor ou se estabeleceu como senhor de toda a natureza, mas porque é senhor de si mesmo e de seus atos. Isso não se aplica ao animal laborans, sujeito às necessidades de sua própria vida [...]. A sós, com a sua imagem do futuro produto, o homo faber é livre para produzir, e também a sós, diante da obra de suas mãos, é livre para destruir. (2013, p. 179).

No terceiro capítulo, refletimos a ação como a atividade mais latente na significação e transformação do mundo. É a ação que oferece meios tangíveis e intangíveis capazes de operar o inesperado na história da humanidade. Um aliado da terceira dimensão da vita activa é o discurso, através do qual os seres humanos podem pronunciar vocábulos e assim estabelecer distinção dos demais. A Filósofa não se debruça em detalhar tipos discursivos, atuando num âmbito sintático, mas busca garantir o direito da palavra proliferada, num movimento natural do homem que é capaz de falar e se distinguir. Arendt considera que a ausência da ação e do discurso empobrece o homem, fazendo-o se aproximar da negação de si mesmo; ela afirma que a passividade e o silêncio escondem o ser humano, assinalando também que quem se desvela não sabe o que desvela, fato que pode representar certa insegurança. Entretanto, Hannah Arendt insiste que o homem deve ter coragem para correr o risco de se fazer visível aos outros homens, ela lembra que o contrário disto é o isolamento, no qual o ser humano pode se fechar, o se expor é o melhor risco, uma vez que a condição humana existe na pluralidade. 

 A Filósofa aponta dois nascimentos na humanidade, o primeiro se dá no parto e o segundo ocorre no desvelamento através da ação e do discurso, a partir dos quais o homem pode mostrar verdadeiramente quem é, inserindo-se definitivamente no mundo, esta inserção ocorre no domínio público, nomeado por Arendt como o “estar junto dos homens”. O nascimento de novos seres é central no pensamento arendtiano. É pela natalidade que o mundo nunca padece velho, ocorrendo uma permanente renovação da humanidade, o fato do nascimento já traz intrínseca a própria ação. 

Hannah Arendt nomeia os efeitos da ação “Teia de relações” e distingue dois espaços: o “espaço-entre físico” e o “espaço-entre”. O primeiro diz respeito ao mundo como morada de todos, o habitat humano, o segundo é caracterizado pelas palavras pronunciadas e atos deflagrados, este espaço é intangível, mas é tão real quanto o primeiro. Dentro desta teia e nos espaços citados, a ação produz inúmeras “estórias”, as quais revelam a singularidade de cada homem, elas se inserem na grande história, cuja autoria é intangível, pois não se é possível definir o iniciador da ação pela qual tudo passou a existir. A intangibilidade dos autores da história dá espaço a tangibilidade dos que se revelam pela ação e pelo discurso.

Hannah Arendt aponta que a ação possui quatro características peculiares e desafiantes: anonimato dos autores da história, imprevisibilidade, irreversibilidade e ilimitabilidade. O primeiro indica o fato do não conhecimento do autor (res) primário (os) da história, o segundo diz respeito a incapacidade humana de prever as consequências de uma ação deflagrada, o terceiro é referente a impossibilidade de reverter o ato começado e o quarto, indica as infinitas consequências que um ato começado pode ter. Tais características são verídicas, porém, não devem inibir o homem quando presente na pluralidade através da ação e do discurso. Ao contrário, ainda que peculiares e desafiantes, elas fazem parte da própria liberdade, desfazer-se delas é o mesmo que se anular perante os demais homens.

Assim, sabedores dos desafios próprios de cada época, cientes da própria volubilidade e cônscios da sua condição, da qual faz parte a vita activa, cujas características principais se revelam na labuta do trabalho, na construção do artifício humano e na natalidade, singularidade e pluralidade, os homens precisam dar constantes respostas as interpelações vindas de vários âmbitos, do mais concreto aos incômodos mais subjetivos, principalmente os de conteúdo metafísico.

Contudo, o homem já responde a tais interpelações. As atividades da vita activa pelas quais ele se manifesta é uma prova disto, principalmente pela ação, através da qual há uma manifestação mais latente para significação e transformação do mundo. Na ação se manifesta potencialidades capazes de renovação, ocorrendo ao mesmo tempo uma complementaridade com as dimensões do trabalho e da obra. 

Com sua ilimitabilidade, imprevisibilidade e irreversibilidade, fundamentada no agente inserido numa pluralidade, a ação garante aos homens intenso dinamismo e liberdade para significação e transformação supracitadas. Aliados a ela despontam o perdão, a promessa, a fé e a esperança, os quais se inserem decididamente na condição humana da mortalidade, fazendo-a sequente, mas não central. Hannah Arendt, com estas quatro dimensões, responde a realidade temporal da humanidade, isto é, ao passado marcado pelos atos deflagrados, ao presente assumido pelos homens, e ao futuro velado pelas incertezas. 

O perdão remedeia a irreversibilidade dos atos, sem ele a humanidade poderia ficar presa aos desentendimentos gerados pelas relações humanas, Arendt afirma que se o perdão não atuasse sobre os homens desencadeadores de todo tipo de ação, eles seriam capazes de imprimir traumas permanentes na história da humanidade “[...] à semelhança do aprendiz de feiticeiro que não dispunha da fórmula mágica para desfazer o feitiço.” (ARENDT, 2013, p. 296). A promessa remedeia a imprevisibilidade, e é a grande seguradora de possíveis melhoras num futuro, é por ela que os homens entram em acordo sobre questões que ainda não estão em seu poder, justamente por não estar no presente, a finalidade da promessa é controlar as incertezas do que está por vir, não é uma posse do que não se vê, mas, do que se vislumbra. Arendt vê o perdão e a promessa íntimos do homem, ou seja, parte integrante de suas capacidades, não vindos ou impostos de fora, mas, modalidades da ação. Enquanto a fé e a esperança constituem-se valores fundamentais na sustentação do esforço e perspectiva humana e são impressos pelos constantes nascimentos de homens. Para evidenciar isto, Arendt lembra uma citação cristã:

É essa fé e essa esperança [...] que encontra sua expressão talvez mais gloriosa e mais sucinta nas breves palavras com as quais os Evangelhos anunciaram sua ´boa-nova’: Nasceu uma criança entre nós. (2013, p.308). 

Assim, temos a ação como parte basilar da condição humana da natalidade, cuja máxima exalta o nascer e não o morrer. É ela que surpreendentemente significa e transforma as gerações, e consequentemente o mundo. O homem, então, revela-se plenamente capacitado, dentro dos seus próprios limites, a manifestação livre dos seus sentidos, principalmente através das palavras proliferadas e da deflagração de atos.

Sem. Joranne Fagner


O Prof. Msc. Pe. José Soares de Jesus prosseguiu com o tema “O lugar da mulher na Evangelii Gaudium”, com a mediação do Prof. Msc. Darlei Possamai. A exposição do padre centrou as injustiças históricas cometidas contra as mulheres, evidenciando as equivocadas interpretações feitas contra elas. O professor Soares assinalou o Evangelho como o grande testemunho contra a exclusão do papel feminino no mundo na Igreja. Ele também recorreu a grandes nomes femininos, da teologia e de outras áreas, para demonstrar o papel singular da mulher.


Às 19h30 o Prof. Dr. José Lima expôs o tema “Contornos éticos na Evangelii Gaudium”, com a mediação do Prof. Msc. Fábio Silva Souza.