27.11.14

XVII Semana Filosófica e XII Teológica - 3º dia

Às 16h o concludente do curso de Filosofia Frei Josué Laurindo expôs o seu trabalho monográfico, com o tema “A hermenêutica em Gadamer: a verdade como possiblidade”.


O Frei Josué apresentou sua monografia à banca examinadora no último dia 17

Texto de apresentação:

A HERMENÊUTICA EM GADAMER: A VERDADE COMO POSSIBILIDADE

Este trabalho refletiu sobre o tema “A hermenêutica em Gadamer: a verdade como possibilidade” a partir da obra Verdade e método. Para isso, procuramos compreender a ideia de hermenêutica partindo da sua etimologia até chegar à hermenêutica filosófica proposta por Gadamer. Nesse itinerário procuramos compreender, em linhas gerais, as contribuições dos principais filósofos que se detiveram sobre o tema da hermenêutica, Schleiermacher, Dilthey e Heidegger, mostrando como cada um contribuiu para o seu desenvolvimento e, consequentemente, como contribuíram para o pensamento de Gadamer. Nesse ínterim, mostramos como ele construiu a sua ideia de verdade, procurando libertá-la dos impedimentos que lhe foram impostos. 

Dessa forma, seguindo o percurso que Gadamer adotou na construção de sua hermenêutica e apontando os avanços que este proporcionou a ela, fomos motivados pela seguinte indagação: “é possível uma hermenêutica que possibilite o encontro da verdade?”

Então, movidos pelo desejo de compreender a hermenêutica em Gadamer e nela a verdade, em diálogo com os que já procuraram fazer isso, construímos o nosso trabalho em três capítulos: 

No primeiro capítulo, procuramos apontar algumas das principais contribuições para o desenvolvimento da hermenêutica. Para isso, voltamos aos primórdios do termo, que tem sua origem no verbo grego hermeneuein, normalmente traduzido por interpretar, compreender. Tal origem nos remete “para o deus-mensageiro-alado Hermes”. Hermes é chamado de mensageiro divino, pois é o encarregado de tornar a mensagem dos deuses acessível aos homens e não só, “mas também o encarregado dos limites e encruzilhadas de caminhos e de fronteiras”. Dessa forma podemos perceber que a função da hermenêutica se revela não apenas como um traduzir a mensagem dos deuses aos homens, mas de fazer uma mediação entre as partes opostas e pô-las em comunicação. Todo esse movimento da compreensão Palnner o divide em três momentos: dizer, explicar e traduzir. 

Partindo dessas orientações básicas, mostramos as principais contribuições dadas à hermenêutica. Assim, iniciamos por apontar as contribuições de Schleiermacher, não por ele ser o fundador, mas porque ele a resgatou de uma visão puramente instrumental que a colocava a serviço da teologia e da filologia. Isso foi possível na medida em que ele dá a sua hermenêutica o nome de doutrina da arte. Pois, ao fazer isso, ele proporciona à hermenêutica uma relação mais originária da compreensão do pensamento. Assim, ele funda um método universal capaz de levar à compreensão do texto, sem, no entanto, estar preso à tradição.

 Contudo, segundo Gadamer, Schleiermacher cai em erro ao impor o método como única forma de chegar à compreensão. Com isso ele impede o avanço livre da hermenêutica na construção da verdade.

Dilthey, por sua vez, alarga o seu campo de visão, na medida em que volta a sua hermenêutica para além da compreensão meramente textual, procurando fazer dela a base para as ciências do espírito. Ele faz isso partindo da ideia de que somos seres históricos e, sendo o ser histórico o próprio que investiga a história, pode-se daí deduzir que existe uma homogeneidade entre sujeito (consciência) e objeto. Com isso existe uma tomada de consciência que não pode ser negada. A essa realidade Dilthey chama de “nexo de sentido”.

Esse nexo de sentido se dá na realidade da vida e não num sujeito geral, pois com afirma Gadamer: “é a vida mesma que se desenvolve e se configura em unidades compreensíveis e são tais indivíduos singulares que compreende as unidades como tais”. Assim, dentro desse círculo, realizam-se os nexos de vida que possibilitam a compreensão, pois compreender é compreender a expressão, que por sua vez é histórica. Dessa forma, história é meio universal da verdade. Porém, essa ideia, segundo Gadamer, e problemática, pois aqui a compreensão se dá “como um deciframento e não como uma experiência histórica”. Esse problema se agrava na medida em que nele subjaz a pretensa ideia de encontrar um método que pudesse assemelhar as ciências o espírito às da natureza.

Heidegger, por sua vez, assume a natureza histórica da compreensão, mas volta seu olhar para a existência, procurando, com isso, libertar a compreensão das influncias metodológicas sofrida pelas ciências humanas. Ao fazer isso, ele mostra que o ser humano é por natureza um ser hermenêutico, ou seja, um ser que compreende e se compreende. Ele tem a chave de sua compreensão.  Assim, para compreender esse ser existencial, ele propõe fenomenologia como caminho para se chegar à verdade, pois, na concretude, busca os acessos ao ser. E todo ser possui uma estrutura prévia. Assim a hermenêutica pretende recordar à existência essas estruturas essências do ser. Aqui percebemos o papel da hermenêutica, trazer à luz as estruturas prévias. 

Partindo de tal ideia, “Heidegger procura mostrar que as condições que tornam o pensamento possível não são auto-geradas, mas são estabelecidas bem antes de nos engajarmos em atos de introspecção,” pois já estamos dentro de uma historia de uma tradição.

No segundo capítulo tratamos do “método... na visão de Gadamer”. Para isso, procuramos compreender o pensamento de Descartes, já que ele foi o responsável por lançar as bases das ciências modernas. Ao fazer isso ele pretendia criar um método que livrasse o conhecimento das bases aristotélico-tomistas e, ao mesmo tempo, levasse a ordenar a busca da verdade. 

Para isso, ele propôs um método racional capaz de ordenar o conhecimento do senso comum e livrá-lo das ideias impostas pela tradição, e chegar a uma verdade objetiva. Após muito refletir sobre isso, chegou à conclusão de que “deveria rejeitar como absolutamente falso tudo aquilo em que pudesse encontrar a menor dúvida a fim de encontrar algo que fosse inteiramente indubitável.”

Após percorrer todo o caminho da dúvida, e até mesmo ter negado a própria existência, Descartes afirma que: “enquanto eu queria pensar assim que tudo era falso, convinha necessariamente que eu, pensava, fosse alguma coisa. Ao notar que esta verdade penso, logo existo, era tão sólida e tão correta que todas as mais extravagantes suposições dos céticos não seriam capazes de abalá-la, julguei que deveria acatá-la sem escrúpulos como primeiro princípio da filosofia que eu procurava”. Assim, a autoconsciência é a base na qual a verdade do objeto é possível, pois o ser humano o percebe e o faz existir enquanto ser pensado. Dessa feita a razão cartesiana ficou livre para construir uma verdade dogmática. 

O iluminismo, seguindo tais princípios, coloca uma forte ênfase no poder da razão, a fim de, com sua política, derrubar todas as práticas tradicionais costumeiras, todas as crenças infundadas, ou seja, tudo que fosse preconceito. Tudo isso representa a cunhagem da ideia de preconceito feita pela modernidade e levada ao extremo pelo iluminismo. 

Também o romantismo alemão, da mesma forma, pois adere à subjetividade do método moderno na medida em que vê a historia numa constante evolução que trata “o velho por velho”. Assim, o movimento romântico extremiza essa ideia com o filósofo Dilthey, pois pretendia as ciências humanas semelhantes as da natureza. Esse foi o “fruto mais soberbo da Aufklärung”, sua consumação.   

Porém, segundo Gadamer, “O preconceito’ não significa, pois, de modo algum, falso juízo, uma vez que seu conceito permite que ele possa ser valorizado positiva ou negativamente.” Assumindo seu lado positivo, ele mostra o papel especial que os preconceitos têm para a compreensão, mostrando que eles são fontes de restabelecimento da verdade.  

Assim, a semelhança de Heidegger, Gadamer assume para si a ideia de preconceito e de autoridade, procurando superar a concepção moderna que acredita que o pesquisador é neutro, e, assim, a autoridade não tinha nenhuma força. Porém, para ele, “a autoridade é uma atribuição dada a pessoas. Mas a autoridade das pessoas tem seu fundamento último num ato de submissão e de abdicação da razão, mas num ato de reconhecimento e conhecimento.” Desse modo, a autoridade está nas questões que ele apresenta e não nas sanções que poderia apresentar aos indisciplinados e resistentes.  

Dessa feita, ter autoridade é conhecer algo e o conhecimento é tradição, e, sendo assim, ela não está sujeita ao método, mas está acima deste na medida em que o que pode ser compreendido faz parte dela. Desse modo, todo conhecimento é uma interpelação da tradição. Assim, quando o pesquisador pretende pesquisar é sempre interpelado pela por ela. 

Então, toda a estrutura da tradição revela que, como afirma Gadamer “a ação que perdura e a ação da investigação histórica formam uma única ação, cuja análise só poderia encontrar uma trama de ações recíprocas.” Daí, olhando para a vivacidade da história, podermos perceber tal vivacidade, e “indagar pela sua produtividade hermenêutica.” Tal produtividade é, para Gadamer, no entanto, um caminho empreendido para se chegar à verdade.

No terceiro capítulo, pretendemos tratar da concepção de Gadamer da hermenêutica e sua relação com a verdade. Contanto, ao construir sua ideia de hermenêutica, ele não trata da verdade como o fazem os manuais de teoria do conhecimento, mas vai abrindo caminhos para que ela se manifeste em sua plenitude.

Assim, a hermenêutica gadameriana é uma forma de compreender o pensamento diário e da experiência, no acontecer dessa realidade, pois segundo Gadamer, “a hermenêutica filosófica tem como tarefa abrir a dimensão hermenêutica em toda a sua plenitude e alcance e de ampliar seu significado fundamental a todo o conjunto de nossa compreensão de mundo”. Todo esse processo de compreensão se dá na linguagem, pois ela é meio para o compreender e, ao mesmo tempo, é fruto da realidade que permitiu a compreensão.

Dessa forma, a da linguagem, elemento medidor entre passado e presente, chegar ao encontro da verdade na realidade vivida, em constante diálogo com o outro, sem contanto negar que ele é portador de verdade. Dessa feita, Gadamer, na busca de restabelecer a verdade, trabalha-a em três experiências básicas, a saber, história, linguagem e arte. Isso é possível quando a verdade é hermeneuticamente exposta. 

Para Gadamer, a experiência constitutiva da participação ou encontro com a verdade está na sua irrepetibilidade. Porém, a experiência foi impedida de avançar, pois a modernidade acreditava que para compreender era necessário que houvesse repetição, Entrementes, para Gadamer, a compreensão se dá nas coisas mesmas de forma irrepetível, pois os encontros hermenêuticos têm a característica de nos suspender, deixando-nos satisfeitos ou não. 

 A verdade é hermenêutica na medida em que acontece numa constante relação, na qual a parte modifica o todo e o todo modifica a parte. E ela ganha seu verdadeiro sentido quando compreende que “a experiência é, portanto, experiência da finitude humana.” Pois o ser humano reconhece na sua finitude, o que não é possível graças ao seu estado, estado de um ser que está dentro da história e que faz parte dela. Assim a compreensão hermenêutica faz parte da história e sua realização é fruto da experiência. 

Dessa forma, a tradição e os preconceitos são parte integrante de um único ser. Com isso, segundo Gadamer, “uma consciência finita jamais será senhora de suas determinações”. Porém, pode haver mal-entendidos nos preconceitos, mas, para superar isso ele propõe um caminho um caminho de discernimento entre o passado e o presente mediado pela linguagem, deixando vir à tona o novo histórico, sem tomar como um todo um fenômeno histórico. Nesse ínterim, Gadamer apresenta como meio para superar os mal-entendidos a ideia de fusão de horizontes que por meio da linguagem funde nossas opiniões e visões de mundo. 

O horizonte é o ponto de partida donde se fundem outros horizontes, criando, automaticamente novos horizontes, ganhando nova verdade. Por isso, o hermeneuta deve adentrar no texto ou tradição sem pretensões, a não ser a de dialogar, já que elas são portadoras de vida. E, dessa forma, acontece a compreensão que se dá no presente e sempre em projeto de futuro. 

Todo esse processo mostra que a hermenêutica gadameriana funciona como um convite ao diálogo e não uma luta entre o passado e o presente, pois o entendimento é acomodação do outro. Também, o diálogo permite ver a fragilidade da conversação, para juntos construir uma compreensão. 

Esse movimento de fusão-dialogal é regido pela lógica da pergunta e da resposta, pois, para que haja verdadeira compreensão, é necessário que saibamos a quais perguntas o autor procura dar respostas, pois, se estivermos movidos pela pergunta errada, obrigatoriamente cairemos em erro.  Dessa forma, a pergunta nos abre um diálogo com o autor, pois “à medida que se consegue dar-se ao diálogo, ambos se submetem à verdade do assunto em questão que os une numa nova comunidade”. 

Desse modo, Gadamer acredita que, para se chegar à verdade, o caminho é a conversação que se dá quando entramos num diálogo autêntico, mediado pela linguagem, a qual carrega em si a própria verdade, pois ela “é o meio universal em que se realiza a compreensão”. Assim a linguagem está para além da história e da tradição, pois estas só podem ser concebidas mediante aquelas.  Daí podermos perceber que também a verdade vai além, pois se desenvolve de modo permanente e ilimitado, isto é, a verdade não pode ser obtida de forma plena e muito menos enquadrada dentro da subjetividade humana, como pretendiam as ciências modernas, mas se dá no mundo da compreensão, sem o nosso domínio. Dessa feita, a linguagem tem um caráter especulativo, pois no movimento da compreensão, ela representa a única possibilidade, numa relação interpretativa de se chegar à verdade. “Pois as palavras pelas quais uma coisa chega à linguagem são, elas mesmas, um acontecer especulativo. O que nelas se diz é aquilo em que consiste sua verdade”.  

Por fim, mostramos como Gadamer liberta a questão da verdade a partir da experiência da arte. Ao fazer isso, ele quer mostrar que a arte é,(segundo Grondim) “num primeiro momento, um encontro de verdade.” E, para adentrar nessa verdade profunda da arte, é necessário reconhecer que ela tem uma objetividade e o encontro que fazemos com ela abre-nos um mundo, pois a obra de arte é um mundo que nos abre possibilidades infinitas. 

Por isso, fazer a experiência da arte modifica aquele que a faz, pois, ao entrar nesse jogo é necessariamente transformado. Quando Gadamer fala de experiência, está se referindo ao modo de ser da própria obra de arte, da verdade que se manifesta nela. 

O jogo não admite interferência da subjetividade, pois, ao jogar, o jogador sabe que está no jogo, mas não tem consciência total dele, somos submetidos a ele. Por isso, Gadamer afirma ser necessário que o jogador tenha em mente o seu fim e se engaje nessa finalidade, assumindo a natureza do jogo para, com isso, transcender a imediaticidade da vida, vivendo a verdade que lá está presente. 

Essa verdade acontece na medida em que o jogador sai transformado pelo jogo, pois o ser está jogado. Daí deduz-se que essa é a razão de a arte não ser uma mera cópia, mas uma realidade.

 Esse movimento compreensivo da realidade revela que a verdade é resultante do próprio acontecer do mundo, que nada mais é do que uma configuração com aquilo que está sendo jogado.  Assim, podemos perceber que a verdade é possível a partir desse diálogo participativo, no qual a parte revela o todo, e o todo revela as partes numa relação constante, “pois a verdade é essencialmente diálogo” (LAWN, 2011, p. 125) e a arte é a manifestação plena dessa verdade, pois ela representa uma realidade plena que permite ao homem perceber uma totalidade e nela acontece todo o diálogo desvelador da verdade. 


Por fim, concluímos que a hermenêutica gadameriana apresenta a verdade como possibilitadora, pois vai abrindo caminhos para que a verdade a qual é possível, mediante a linguagem, num diálogo que realiza a fusão de horizontes de forma harmoniosa e solidaria. 

Frei Josué Laurindo

Em seguida, o Prof. Dr. Padre Leonardo Agostine Fernandes iniciou sua palestra, com o tema: “O culto da verdade ao redor da Palavra de Deus”. Suas inserções iniciais contextualizaram a Evangelii Gaudium, encíclica que, segundo ele, distingue-se de todos os documentos pontifícios anteriores.  Enfático, padre Agostine afirmou:  “A Evangelii Gaudium é uma exortação aberta, provoca seus interlocutores, o Papa não tem resposta para tudo. Cada Bispo tem que ser capaz, junto com o seu clero, de procurar a resposta para os problemas concretos da Igreja local.


O padre Leonardo lembrou o Papa Francisco como o apontador de caminhos, não de soluções, olhando a realidade como ela é, mas com otimismo, na certeza de que o anúncio de Jesus Cristo é, foi e será uma constante renovação para o mundo. 

Sobre a homília, o palestrante destacou que ela serve para comunicar a Salvação, acabando também por demonstrar o grau de docilidade ao Espírito Santo de quem prega. O padre Agostine lamentou as inúmeras homilias vazias de Jesus Cristo e cheias de glorificação e intenções pessoais. 


Às 19h30, ainda pelo Prof. Dr. Pe. Leonardo Agostine Fernandes, o tema “Missão e Missiologia a partir da Evangelii Gaudium” foi exposto numa conferência, a mediação foi feita pelo Prof. Dr. Padre Jânison de Sá. 


Durante a tarde, Dom Lessa se fez presente e saudou os participantes da XVII Semana Filosófica e XII Teológica

O pregador enfatizou a retomada da catolicidade, feita pela Igreja nos últimos anos, ou seja, da importância das Igrejas locais e de sua devida autonomia. Ele afirmou que tal autonomia não se reveste de uma independência da “Igreja de Roma”, mas da obediência a Jesus Cristo, cabeça da Igreja; este obedecer, prosseguiu ele, nos lega a unidade, a partir da qual se pode considerar as organizações estabelecidas no Evangelho, inclusive a hierarquia.  

Especificando o tema, o Padre Agostine assinalou o Concílio Vaticano II como o grande promotor da colegialidade dos bispos. Destacou a expressão “Igreja Povo de Deus”, muito usada neste Concílio, reiterando o papel basilar das Igrejas particulares (Dioceses), com o intuito de atribuir a estas uma missão fundamentada no Evangelho, mas também inserida numa cultura especifica. Finalizou recordando a caridade como um caminho seguro para o entendimento e evangelização dos povos.

Padre Genivaldo Garcia (Diretor Acadêmico) e Padre Jânison de Sá (Reitor)