A tarde foi iniciada com um artigo científico sobre “A
Teologia da “Continuidade” na Sacrosanctum Concilium”, apresentado pelo
seminarista Everson Fontes Fonseca, concludente do curso de Teologia.
ESTUDO
SOBRE A “SACROSANCTUM CONCILIUM”
Ao nos inscrevermos para fazer uma comunicação
nesta XVI Semana Filosófica e XI Teológica, no afã de festejar o quinquagésimo
aniversário do Concílio Vaticano II e, por esta data áurea, os cinquentas anos
de promulgação do primeiro rebento conciliar, a Constituição Dogmática
“Sacrosanctum Concilum”, é-nos incumbida a grave tarefa de falar sobre a
Liturgia da Igreja no contexto do último Concílio através desta mesma
Constituição Dogmática que trata justamente sobre a Sagrada Liturgia, baseados
na observância da reflexão acerca da Teologia da Continuidade que, tanto no
Concílio quanto a partir dele, nos é oferecida.
Para tanto, faz-se mister que recorramos primordialmente a
alguns documentos magisteriais da Igreja, dentre eles a própria Constituição Sacrosanctum Concilium (como é natural),
bem como a comentários contemporâneos e posteriores à sua promulgação. Por tal
motivo, achamos salutar adentrar no contexto histórico para vislumbrarmos o
panorama que cerca a temática seja temporalmente, seja ideologicamente.
Desde
11 de outubro de 1962, o Papa João XXIII, data de inauguração do Vaticano II,
expõe a grande motivação de sua convocação: “Iluminada pela luz deste Concílio,
a Igreja, como esperamos confiadamente, engrandecerá em riquezas espirituais e,
recebendo a força de novas energias, olhará intrépida para o futuro. Na
verdade, com as atualizações oportunas e com a prudente coordenação da
colaboração mútua, a Igreja conseguirá que os homens, as famílias e os povos
voltem realmente a alma para as coisas celestiais”. O aggiornamento della Chiesa, palavra italiana eternizada com a
história do Vaticano II, muito mais do que um romper, é um continuar da senda
bimilenar da Tradição Apostólica e da tradição histórica da Igreja de Cristo. O
‘Papa Bom’, cognome de João XXIII, como especialista em História da Igreja, é
cônscio de tal sequência, e, no mesmo discurso de abertura do Concílio, deixa
claro que o objetivo da reunião não é o de romper em prol de novidades, mas um
primar pela continuidade histórico-teológica, ao tempo em que estabelece pontes
com a hodiernidade: “O XXI Concílio Ecumênico, que se aproveitará da eficaz e
importante soma de experiências jurídicas, litúrgicas, apostólicas e
administrativas, quer transmitir pura e íntegra a doutrina, sem atenuações nem
subterfúgios, que por vinte séculos, apesar das dificuldades e das oposições,
se tornou patrimônio comum dos homens. Patrimônio não recebido por todos, mas,
assim mesmo, riqueza sempre ao dispor dos homens de boa vontade. É nosso dever
não só conservar este tesouro precioso, como se nos preocupássemos unicamente
da antiguidade, mas também dedicar-nos com vontade pronta e sem temor àquele
trabalho hoje exigido, prosseguindo assim o caminho que a Igreja percorre há
vinte séculos”.
Estreitando
o nosso campo de estudo, passemos agora para os preliminares da Constituição Sacrosanctum Concilium, fazendo, para
tanto, um brevíssimo histórico de seus antecedentes. A partir do século XIX,
sob o pretexto de eliminar as particularidades que vão de encontro à unidade
romana, surge o Movimento Litúrgico, cujas influências não se detiveram aos
anos de 1800, mas que adentraram fortemente no século XX. Este Movimento,
espraiado na Europa – em especial na França (Guéranger, Lambert Bauduin), Áustria (Pius Parsch), Alemanha
(Odo Casel) e Itália (Romano Guardini, Mario Righetti e outros), pretende ‘recuperar’ os
valores da vida litúrgica da comunidade cristã, cuja participação, em geral, se
restringia, conforme os críticos pensam, a uma mera assistência de espectadores
do culto. Com a eleição de Pio X, o Movimento Litúrgico foi apadrinhado pelo
Romano Pontífice que, em 1903, com o seu
Motu Proprio Tra le sollecitudine,
fez um convite à purificação do canto e da música na liturgia, e deu a
orientação de que os fiéis encontrassem o verdadeiro espírito cristão na sua
fonte primeira e indispensável, a participação ativa nos sacrossantos mistérios
e na oração pública e solene da Igreja. Pio XII também não foi indiferente ao
Movimento Litúrgico, provam-nos a sua Carta Encíclica Mediator Dei, de 1947, e, anterior a esta, a Encíclica Mystici Corporis, em 1943, que é
eminentemente eclesiológica, mas que toca em assuntos da práxis litúrgica da
Igreja. Similarmente, são legados do seu pontificado outros documentos de cunho litúrgico e pequenas reformas nas cerimônias
litúrgicas. No início de 1962, ano da abertura do Concílio, porém não dentro
das reuniões conciliares, quando da nova edição do Missal Romano, o Beato João XXIII deixou
entrever que os grandes princípios comandantes da
reforma geral da liturgia deveriam ser propostos aos Padres Conciliares no
subsequente Concílio Ecumênico. Como ações,
o Movimento Litúrgico insistiu na publicação de vários manuais de rubricas e
cerimônias para os padres, a edição de missais bilíngues para que os fiéis
acompanhassem a Missa, a autorização que conseguiram da Santa Sé para que os
sacramentos, fora da Missa, fossem celebrados em vernáculo (principalmente o
Matrimônio), o incentivo à Missa dialogada, a insistência no canto gregoriano
(em virtude de certas polifonias que eram muito rebuscadas e demoradas) etc.
Sendo assim, primaram por tentar recuperar a simplicidade do rito romano. Mesmo
dentro do espírito do Movimento Litúrgico havia segregações de duas naturezas
basicamente: uns apoiavam reformas que respeitariam o desenvolvimento orgânico,
não mutilando o que foi acrescentado de modo natural ao rito ao longo dos
séculos; outros, extirpando o que considerariam acessórios dentro das
celebrações. Ainda hoje, fazemos uso, das inovações propostas pelo Movimento
Litúrgico, algumas até que já poderiam ter perdido o seu lugar, como os
pedagógicos subsídios litúrgico-catequéticos para a participação da Santa
Missa.
João
XXIII morre em 03 de junho de 1963 (Solenidade de Pentecostes, e é eleito Papa
o Cardeal Montini, que impôs sobre si o onomástico de Paulo VI. Em 04 de
dezembro de 1963, se deu a promulgação do primeiro trabalho consolidado de fato
pelo Vaticano II: a Constituição Dogmática Sacrosanctum
Concilium. O texto deste protodocumento foi apresentado aos padres
conciliares em outubro de 1962 e, depois da sua discussão e correção, foi
finalmente aprovada com o sufrágio dos bispos, inclusive do de Roma. O placar
ficou em 2147 placet (aprovações)
contra apenas 4 non placet.
Comentando a decisão, pela revista brasileira “O Cruzeiro”, o então Monsenhor
Luciano Duarte, o nosso Dom Luciano, entusiasmado, escrevia, inserindo os fiéis
da Terra de Santa Cruz no andamento do Vaticano II: “Durante esta segunda
sessão do Concílio, ao mesmo tempo em que se debatiam os vários capítulos do
esquema sobre a Igreja, os Padres Conciliares votaram, definitivamente, as
emendas sugeridas durante a primeira sessão, no ano passado, sobre a Liturgia.
A porcentagem da aprovação foi, em todos os casos, de mais de 90%. Isso traduz
a impressionante quase unanimidade com que os Bispos do mundo inteiro dizem sim
a uma necessária e urgente modificação no culto. Esse é o primeiro resultado
concreto do Concílio. Agora, falta apenas a promulgação da reforma, que será
feita pelo Papa, e deverá ocorrer ao término da segunda sessão conciliar”.
Teologicamente, este escrito do Padre Luciano Duarte parece dizer que o
Vaticano II quer dar um tom de descontinuidade à tradição litúrgica. Porém,
tendo em vista os seus interlocutores e a linguagem jornalística utilizada
(portanto, rebaixada a um entendimento laico), e conhecendo a polidez teológica
do referido sacerdote, sempre consoante com o que Igreja ensina, Monsenhor
Luciano Duarte não feriu a salutar interpretação do Vaticano II que pauta pela
continuidade. Até porque, no número 23 da Sacrosanctum
Concilium, temos: “Para conservar
a sã tradição e abrir ao mesmo tempo o caminho a um progresso legítimo, faça-se
uma acurada investigação teológica, histórica e pastoral acerca de cada uma das
partes da Liturgia que devem ser revistas. Tenham-se ainda em consideração às
leis gerais da estrutura e do espírito da Liturgia, a experiência adquirida nas
recentes reformas litúrgicas e nos indultos aqui e além concedidos. Finalmente,
não se introduzam inovações, a não ser que uma utilidade autêntica e certa da
Igreja o exija, e com a preocupação de que as novas formas como que surjam a
partir das já existentes. Evitem-se também, na medida do possível, diferenças
notáveis de ritos entre regiões confinantes”.
Logo, se o
Vaticano II aggiorna a Igreja como um
todo para o mundo, mesmo ela não tendo a sua finalidade para as coisas
seculares, especificamente a Sacrosanctum
Concilium atualiza a linguagem litúrgica, dentro de parâmetros retilíneos,
para que o homem alcance Deus com meios mais próximos a si. Mas, nem por isso,
a Liturgia da Igreja deixará de ser o máximo culto que podemos dispensar ao
Pai, não sendo obra de intentos humanos, mas instituição do Senhor Jesus Cristo
no seu Corpo Místico, pela potência do Espírito Santo. Celebramos o Pai no
Cristo, por Cristo e em Cristo, graças ao Espírito Santo que age na Igreja.
Portanto, as determinações da Sacrosanctum
Concilium não são meramente atualizações temporais, mas uma facilitação
para que o fiel seja inserido com mais afinco naquilo que celebra. Daqui,
chegamos à importância e ao lugar da liturgia na Igreja, clarificados pelo
documento conciliar, recorrendo, é claro, a elementos anteriores e, por isso,
participantes do arcabouço teológico da Igreja: “A Liturgia […] contribui em
sumo grau para que os fiéis exprimam na vida e manifestem aos outros o mistério
de Cristo e a autêntica natureza da verdadeira Igreja, que é simultaneamente
humana e divina, […] mas de forma que o que nela é humano se deve ordenar e
subordinar ao divino, o visível ao invisível, a ação à contemplação, e o
presente à cidade futura que buscamos (Hb 13,14)” (n. 2). Assim sendo, ao
celebrar os divinos mistérios, o fiel é chamado a fazer de sua vida a vida da
Igreja que, humana e divina, eleva os homens a Deus já no hoje da nossa
existência, fazendo entrever e pré-libar a bem-aventurança eterna.
Relacionado a uma
participação mais eficiente dos fiéis, a Igreja, por meio desta Constituição
Dogmática, também abre o rito litúrgico para as línguas vernáculas, sem olvidar
do latim. De fato, as nossas celebrações tornaram-se mais entendíveis aos que
delas participam, porém, em muitos lugares, criou-se uma ojeriza à língua
latina, língua eminentemente litúrgica e teológica graças à sua precisão ao
passar dos séculos em dadas terminologias; ou pior, em nome de uma maior
participação dos fiéis, celebramos em vernáculo, mas será que de fato a
assembleia se esforça para a devida concentração do que se celebra, ou a sua
participação se relega a uma passividade e alheamento como uma realidade
distante de si? Aqui, habita a importância da catequese, inclusive litúrgica,
dos cristãos. Isto é formação: seja em latim ou em vernáculo, o fiel precisa
ser cônscio do que celebra, do seu porquê e do para que celebra, não se
restringindo apenas para o ‘a quem’ celebrar. O número 54 assim reza: “A língua
vernácula pode dar-se, nas missas celebradas com o povo, um lugar conveniente,
sobretudo nas leituras e na ‘oração comum’ e, segundo as diversas
circunstâncias dos lugares, nas partes que pertencem ao povo, conforme o
estabelecido no art. 36 desta Constituição. Tomem-se providências para que os
fiéis possam rezar ou cantar, mesmo em latim, as partes do Ordinário da missa
que lhes competem”; já o número 36, os dois primeiros parágrafos: “§ 1. Deve
conservar-se o uso do latim nos ritos latinos, salvo o direito particular. § 2.
Dado, porém, que não raramente o uso da língua vulgar pode revestir-se de
grande utilidade para o povo, quer na administração dos sacramentos, quer em
outras partes da Liturgia, poderá conceder-se à língua vernácula lugar mais
amplo, especialmente nas leituras e admoestações, em algumas orações e cantos,
segundo as normas estabelecidas para cada caso nos capítulos seguintes”.
Vasculhando sobre o
assunto, descobrimos algo que pouquíssimos sabem: a existência de uma
Constituição Apostólica denominada “Veterum
Sapientia”, de Sua Santidade João XXIII, que trata sobre o uso do latim.
Este documento, datado de 22 de fevereiro de 1962, meses após a convocação do
Vaticano II, ano em que este deu início, parece retratar algo que parecia
indispensável ao ‘Papa Bom’: a permanência e afluência do latim como língua eclesiástica
e, portanto, litúrgica. Diz-nos João XXIII: “De fato, pela sua própria
natureza, a língua latina é capaz de promover, junto a qualquer povo, toda a
forma de cultura; e como não suscita inveja e se apresenta imparcial para todos
os povos, não é privilégio de ninguém, e, enfim, a todos aceita e reúne. […] E
é necessário que a Igreja use uma língua não só universal, mas também imutável.
[…] Finalmente, como a Igreja Católica, tendo sido fundada por Cristo Nosso
Senhor, excede significativamente em dignidade a todas as sociedades humanas, é
sumamente conveniente que ela use uma língua não popular, mas rica de majestade
e nobreza. […] a língua latina, que ‘com todo o direito podemos chamar
católica’ (Pio XI. Carta Apostólica Officiorum
omnium, 1922), pois é própria da Sé Apostólica, mãe e mestra de todas as
Igrejas, e consagradas pelo uso perene, deve ser mantida como ‘tesouro de
incomparável valor’ (Pio XII. Alocução Magis
quam, 1951) e como porta através da qual se abre a todos o acesso às mesmas
verdades cristãs, transmitidas dos antigos tempos, para interpretar o
testemunho da doutrina da Igreja e, enfim, o mais idôneo vínculo, mediante o
qual a época atual da Igreja se mantém unida aos tempos passados e ao futuro de
modo admirável. […] E como neste nosso tempo começou-se a contestar em muitos
lugares o uso da língua romana e muitíssimos pedem o parecer da Sé Apostólica
sobre tal assunto, decidimos, com oportunas normas enunciadas neste documento,
proceder de tal modo que o antigo e jamais interrupto costume da língua latina
seja conservado e, se de alguma forma ele foi colocado em desuso, seja completamente
restabelecido. […] Os Bispos e Superiores Gerais das Ordens religiosas, movidos
de paterna solicitude, deverão vigiar para que nenhum dos seus subordinados,
ansioso de novidades, escreva contra o uso da língua latina no ensino das
sagradas disciplinas e nos sagrados ritos da Liturgia e, com opiniões
preconceituosas, se permita de diminuir a vontade da Sé Apostólica na matéria e
de interpretá-la erroneamente”. Interessante notarmos também algo que aconteceu
nos derradeiros meses do grande pontificado do Papa Bento XVI. No último 10 de
novembro de 2012, o Romano Pontífice publicou o Motu Proprio “Latina Lingua”,
criando a Pontifícia Academia Latinitatis,
instituto já querido por João XXIII há cinquenta anos, fato expressado na
Constituição Apostólica Veterum Sapientia.
Segundo o Motu Proprio expedido pelo nosso Pontífice emérito: A nova Academia deverá “favorecer o conhecimento e o
estudo da língua e da literatura latina, seja clássica como patrística,
medieval e humanística, especialmente nas Instituições de formação católicas
que formam seminaristas e sacerdotes; e promover o uso do latim em diversos
âmbitos, seja como língua escrita, como falada”. Agora, cabe-nos uma
interrogação, como conjugar pastoralmente o entendimento popular com aquilo que
a Igreja pensa para a Sagrada Liturgia, seja acerca do uso do latim ou da
língua vernácula como idioma(s) litúrgico(s) se não houver uma catequese bem
feita? Mesmo utilizando o latim como idioma celebrativo, o povo deve ser
cônscio daquilo que celebra. Com isso, frisamos que não estamos aqui para
defender ou não o uso desta língua clássica dentro da estrutura litúrgica, mas
ponderarmos juntos sobre esta questão: o povo está preparado para esta
realidade?
Outra temática que nos veem à tona, bastante discutida
por muitos, é a posição do sacerdote para o Sacrifício da Missa: versus Deum ou versus Populum. O termo versus
Deum é uma evolução do que, desde a antiguidade dos primeiros séculos da
Igreja, se chamava ad Orientem.
Segundo a história da Liturgia, durante
a maior parte dos últimos dois milênios, na Igreja Latina, a Santa Missa foi
celebrada estando o sacerdote voltado para o oriente, seja o oriente real (geográfico)
ou litúrgico (místico). Por isso ser chamada celebração ad orientem. O oriente é, para
nós da Igreja Romana, a direção em que se localiza Jerusalém, a cidade que é
modelo do paraíso (chamado de Nova Jerusalém) e onde Nosso Salvador foi morto
no madeiro da cruz. Também no oriente nasce o sol e Jesus Cristo é o verdadeiro
Sol, pois é a luz do mundo. Por fim, segundo a tradição bíblica, é do Oriente
que Jesus retornará (cf. Mt 24,27). As igrejas, no passado, geralmente eram
construídas voltadas para o oriente. O
oriente passou a ser antes o oriente litúrgico que o oriente real. Estando o
sacrário, em geral, no fundo dos presbitérios, ou mesmo a cruz com o Cristo
pendente, o sacerdote celebrava voltado para ele, volvendo-se para a assembleia
nas admonições e para a homilia, independentemente da arquitetura da igreja.
Desde então, a maior parte das igrejas foi construída tendo o altar grudado a
um retábulo, ambos no fundo da nave ou no fim do presbitério. A celebração
nesta forma também era chamada de coram Deo (na frente de Deus). Com uma falsa
interpretação do Concílio Vaticano II, muitos altares fixos aos retábulos foram
destruídos; muitos deles verdadeiras obras de arte que se esvaíram. Embora
a Sacrosanctum Concilium não faça
alusão direta à disposição do altar no corpo do edifício litúrgico, esta
discussão é advinda da época pós-Vaticano II, graças àquilo que o Concílio
previa acerca da reforma dos livros litúrgicos, dentre eles o Missal Romano;
apenas o documento do Vaticano II sobre a Liturgia enceta que a contemplação é prioritária e que toda a
celebração da Santa Missa deve ser orientada para os mistérios celestes, portanto, no entendimento dos que defendem a tradição litúrgica, este
intento de contemplação dos mistérios celestes faz com que seja salutar a
celebração voltado para o Senhor, representado na cruz que encima o altar, ou
mesmo diante do Santíssimo Sacramento.
No entanto, com o desenvolver daquilo que fora promulgado no Vaticano
II, a Instrução Geral ao Missal Romano para a Terceira Edição Típica, a
utilizada atualmente, reza: “O altar mor seja construído afastado da parede, a
fim de ser facilmente circundado e nele se possa celebrar de frente para o
povo, o que convém fazer em toda parte onde for possível” (n. 209). No entanto, esta determinação
da Instrução ao Missal Romano não contraria o que já se fazia anteriormente, a
missa versus Deum, muito pelo
contrário. Prova-nos isto o que Bento XVI disse na Carta Apostólica sob a forma
de Motu Proprio “Summorum Pontificum”:
“Quanto ao uso do Missal de 1962 (e, obviamente também às suas instruções),
como Forma Extraordinária da Liturgia da Missa, quero chamar a atenção para o
fato de que esse Missal nunca foi juridicamente ab-rogado e, consequentemente,
em princípio sempre continuou permitido. […] Não existe nenhuma contradição
entre uma edição e outra do Missale
Romanum. Na história da Liturgia, há crescimento e progresso, mas nenhuma
ruptura”. Para os mais
tradicionais, em acusação aos mais progressistas que entendem que é mais
adequado ao povo que o padre a eles esteja voltado, o fato de celebrar versus Deum, antes de distinguir o
sacerdote do povo que celebra, quer ser um gesto igualitário entre eles: o
sacerdote é apenas o primeiro dos que prestam o culto a Deus, assim, todos
estão para o Oriente, para Deus. Isso tendo sempre em mente que antes de ser um
banquete a Missa é um sacrifício. Por este motivo,
estando o rito e tudo quanto dele participa dentro da celebração da Santa Missa
orientados para o sentido da glorificação e da adoração de Deus, a presença de
Cristo, seja representada por uma cruz com uma imagem sua, seja pela Divina
Eucaristia custodiada no sacrário, manifesta-se como elemento central, sobretudo, no momento da Consagração e da Sagrada
Comunhão. Quanto mais isto mesmo for respeitado, tanto menos o homem se
colocará no centro da celebração, tanto menos a celebração se assemelhará a um
círculo fechado, mas, pelo contrário estará aberto, mesmo de uma forma
exterior, para Cristo, como numa verdadeira procissão que se dirige para Ele,
com o sacerdote à cabeça.
O Missal de Paulo
VI (como é conhecido o que está sendo utilizado na forma ordinária do Rito
Romano) não deixa de possuir ‘respingos hereditários’ do que era previsto no
Missal anterior ao do Vaticano II, ou seja, o de Pio V, reformado por João
XXIII. Assim sendo, nas rubricas do Ordinário da Missa, temos: 1) Nos Ritos
Iniciais: “O sacerdote, voltado para o povo e abrindo os braços, saúda-o...”;
2) Na Liturgia Eucarística: “No meio do altar e voltado para o povo, estendendo
e unindo as mãos, o sacerdote diz: Orai, irmãos e irmãs...”; “O sacerdote faz
genuflexão, toma a hóstia e, elevando-a sobre a patena, diz em voz alta,
voltado para o povo: Felizes os convidados para a Ceia do Senhor...”; ou ainda:
“O sacerdote, voltado para o altar, reza em silêncio: Que o Corpo de Cristo me
guarde para a vida eterna”. Em seu artigo para a revista francesa “L’Homme Nouveau”, edição 1511 de 15 de
janeiro de 2012, o Bispo Dom Athanasius Schneider, Bispo Auxiliar de Astana, Cazaquistão, recorre a
uma afirmação de Bento XVI no seu
prefácio ao primeiro tomo das suas obras completas: “A ideia de que o sacerdote
e a assembleia devem estar a olhar-se no momento da oração nasceu entre os
modernos e é absolutamente estranha à cristandade tradicional. O sacerdote e a
assembleia não se dirigem mutuamente uma oração, mas é ao Senhor que ambos se
dirigem, eis porque, na oração, eles mesmos devem olhar na mesma direção: ou
para o Oriente, como sendo esta direção o símbolo cósmico do regresso do
Senhor, ou então, onde isto não seja possível, para uma imagem de Cristo
situada na ábside, para uma cruz ou muito simplesmente para o alto.” O Papa Bento XVI, para tentar retomar
o sentido do oriente litúrgico, sem causar grandes reboliços, aventou uma forma
nova de preparar o altar, chamada, em sua homenagem, de “arranjo beneditino”,
que consiste em colocar, na frente do altar, quando da celebração versus populum, seis candelabros com
velas e uma cruz no centro, voltada para o celebrante. O celebrante, então,
volta-se para o Crucificado enquanto oficia a Missa, sendo assim versus Deum. Ao mesmo tempo, o
povo o vê por trás da cruz, sendo assim também versus populum.
Mediante a apresentação
destas três temáticas litúrgicas, não o fizemos aleatoriamente, mas com o
intuito de ponderar acerca de certas realidades permeadas pelo desconhecimento
total ou parcial de nossos fiéis, mas que, volta e meia, estão em voga. Se em
muitas circunstâncias existem contrariedades na Liturgia, esta problemática não
se dá pelo que prescreve o Vaticano II através da Sacrosanctum Concilium, mas por uma interpretação errônea que
muitos fazem ou são passíveis. Poderíamos tratar de tantos outros assuntos, no
entanto, o tempo e as condições se fazem abreviados para explorarmos a
‘bagagem’ teológica e pastoral atinente a este protodocumento conciliar. Por
tal motivo, encorajemo-nos mutuamente para, como comunidade de louvor, isto é
Igreja, Corpo de Cristo, Esposa que dialoga com o seu Amado por meio de nossas
liturgias, exercício sacerdotal do Cristo, vivermos na dinâmica imensamente
apregoada: Lex credendi – Lex orandi –
Ars celebranda; serviço máximo ao Senhor para a nossa santificação e Sua
glória. Que Deus nos abençoe neste intento!
Por Seminarista Everson Fontes
Em seguida, o seminarista Gustavo Luz, concludente do curso de Filosofia, expôs uma síntese de seu trabalho monográfico, o qual trata do seguinte tema: “A crítica à modernidade proposta por Descartes à luz de Edgar Morin”.
A CRÍTICA À MODERNIDADE PROPOSTA POR DESCARTES À LUZ DE EDGAR MORIN
Este
trabalho tem como intuito vislumbrar a leitura que o pensador contemporâneo
Edgar Morin faz a respeito das contribuições de René Descartes para a formação
do paradigma moderno e de como esses contributos perpassaram até a nossa
contemporaneidade.Utilizamos como base para o desenvolvimento do presente
trabalho a obra Ciência com Consciência (2010)
e o Discurso do Método (1979). É preciso
salientar que, de antemão que a leitura moriniana, no tocante a essas
influências cartesianas é negativa,o estudioso vê que o pensamento dele
contribuiu para a formação de um paradigma simplificador, criando uma realidade
reducionista.
Nessa perspectiva, foi apresentada a
modernidade em linhas gerais e como se deu o processo de instauração da mesma e
de alguns importantes pensadores deste período, entre eles, está o filósofo
francês René Descartes no qual nos delimitamos dando uma maior ênfase. A modernidade é tida como a ruptura do
paradigma medieval (centrado na tradição) para um “novo” que está centrando na
racionalidade, sendo assim, esse período que envolve os séculos XVI e XVII é
formado por transformações que envolvem a formação do homem como um todo. Com
isso, formula-se um novo método científico superando as explicações míticas e
dogmáticas e contrapondo-se as concepções tradicionais (homem, mundo, tempo e
natureza).
Quais
aspectos traz a modernidade na perspectiva de Descartes? Na sua obra Discurso do Método (1996, p.37),destaca
a ideia de que a razão é algo inato ao homem “[...] bom- senso ou razão é
naturalmente igual em todos os homens.” Eis o argumento utilizado por Descartes
para fundamentar a existência do “eu pensante”, à razão como algo inato ao
homem. Agora o homem é o centro e não mais a tradição, o racional legitimará o
bem emal, falso everdadeiro... Consciente disso, o homem se desliga da
superstição, pondo a ciência como a detentora do saber e como única forma para
se chegar à verdade.
Que
leitura Morin faz das contribuições de Descartes para esse período? Para ele, o
ponto de partida para compreender essa realidade está em “[...] dispor de
pensamento capaz de conceber e de compreender a ambivalência, isto é, a
complexidade intrínseca que se encontra no cerne da ciência.” (MORIN, 2010,
p.16). Nessa perspectiva, Morin afirma que: “O desenvolvimento científico
comporta um certo número de traços ‘negativos’ que são bem conhecidos, mas que,
muitas vezes, só aparecem como inconvenientes secundários ou subprodutos
menores.” ( MORIN, 2010, p.16). Com essa objetivação do mundo para conhecê-lo,
surge um novo processo para obter-se o conhecimento. Para tanto, Morin faz apontamentos
sobre o lado mau da ciência moderna que são divididos em três eixos: 1°: o
problema da ordem; 2°: o problema da separação das disciplinas; 3°: o problema
da razão; A sua proposta é buscar um pensamento complexo (complexus: “do que é tecido junto”), para isso, ele traz como peça
fundamental a dialógica e ambivalência fazendo uma relação de
complementariedade.
No
primeiro capítulo, falamos em modernidade e somos levados a
um campo vasto, por isso, é necessário que façamos uma delimitação da temática
e que fique claro que dimensão será abordada, pois com o tempo este termo vem
sendo empregado, indevidamente, causando um empobrecimento semântico.
Primeiramente, foi feita uma reflexão sobre a modernidade levando em
consideração uma contextualização do período que a antecedera, conhecido como
medieval. Sendo assim, temos uma visão global da realidade em que a modernidade
surgira e como se deu o processo de formação e transição.
É preciso iniciar essa reflexão compreendendo a raiz
etimológica da palavra modernidade (deriva de moderno em latim modernus: recentemente, agora mesmo);
logo, nota-se que há um início de um novo período e,consequentemente, outro
paradigma. Surgiu na Europa no século XVII como novo parâmetro para a realidade
dada,
uma verdadeira revolução no pensamento científico, chegando a influenciar de
forma mundial. Inaugura-se um “novo” período,cuja racionalidade está centrada
na subjetividade em que a ciência descobre que por si só é possível conseguir
chegar as suas verdades, desligando-se da filosofia fator que perpassará até a
contemporaneidade. Acerca disso, afirma Japiassú, “[...] inaugurada pelo
Renascimento e que se contrapõe à escolástica e ao espírito medieval,
desenvolvendo-se nos séc. XVI e XVII com Francis Bacon, Galileu e Descartes,
dentre outros, até o Iluminismo do séc. XVII, do qual é a principal expressão.”
Para o autor, o surgimento da modernidade trouxe consigo o rompimento
definitivo entre fé e razão, contrapondo-se com os paradigmas vigentes. Acerca
disso, Marcondes ratifica:
A modernidade se
caracteriza por uma ruptura com a tradição que leva à busca, no sujeito
pensante, de um novo ponto de partida alternativo para a construção e a
justificação do conhecimento. O indivíduo será, portanto, a base deste novo
quadro teórico, deste novo sistema de pensamento. É precisamente nisto que
consiste o paradigma subjetivista na
epistemologia. (1999, p.20, grifo do autor).
De acordo com este
autor, a passagem do paradigma medieval para o moderno foi um momento de
transformação; ruptura; deixa-se o teocentrismo. Delineando-se um paradigma da racionalidade,
em que a ratio (do latim razão) é a
grande libertadora das crenças, superstições, explicações míticas, dogmas e,
sobretudo, se contrapondo as concepções tradicionais fundamentando-se na
própria subjetividade e não mais na autoridade absoluta política e religiosa.
Vê-se que
diferentemente da realidade contemplativa, a que se propunha a filosofia antiga
e de uma ciência submetida às razões da fé idealizada pela Idade Média, o novo
paradigma está associado à techné (do
grego: técnica, prática planejada) dando ao homem meios para que ele possa sair
da situação de ignorância em que se encontra e passe a dominar e exercer o
controle sobre a realidade que o cerca através da manipulação, pondo em alta as
questões epistemológicas.
Sendo assim, o mundo
moderno distingue-se do antigo, pelo fato de, abrir-se ao “novo” opondo-se ao
paradigma vigente até o momento. Há um início de uma nova realidade histórica,
que será marcada pela independência dos valores tradicionais, dos paradigmas
vigentes, por um nascimento do progresso, desenvolvimento, antidogmatismo,
crise, etc; e que, posteriormente, gerará uma verdadeira revolução, chegando
até os nossos dias.
Ao longo da reflexão e da tentativa de
conceitualização das influências e das mudanças que deram início ao novo
paradigma transita o nascimento de uma nova fase da história da humanidade.
Surge um novo período, em que o homem passa a buscar sua liberdade através do
uso da razão.
No
segundo capítulo,refletimos sobre a contribuição do filósofo e matemático
francês René Descartes (1596- 1650) para a construção do período moderno.
Conhecido como o “pai” da modernidade, título concedido por sua notável
contribuição, ele é considerado o mais importante entre os que contribuíram
para a formação e instauração do paradigma moderno. Por conseguinte, as suas
contribuições persistem e ainda continuam influenciando o homem contemporâneo,
seus contributos permeiam diversos campos entre eles estão: ciência, educação,
filosofia, o próprio homem, etc.
O pensamento cartesiano
está inserido em um período marcado por uma reflexão antropocêntrica, ou seja,
a realidade está voltada para o homem, diferentemente, do paradigma até então
vigente, no qual a realidade estava focada em Deus. Assim, surge uma nova
maneira de abordar o conhecimento que antes valorizava a relação sujeito e
objeto, agora a tônica recai sobre o sujeito pensante e não tanto no objeto.
Acerca disso, afirma Descartes (1979, p. 47):
E, notando que esta
verdade: penso, logo existo, era tão
firme e tão certa que todas as mais extravagantes suposições dos céticos não
seriam capazes de a abalar, julguei que podia aceitá-la, sem escrúpulo, como o
primeiro princípio da Filosofia que procurava.
Com
a citação acima, percebe-se que o cogito
inaugura um novo princípio que fundamentará a sua busca pelo conhecimento e
este será o cerne da sua construção filosófica e teoria do conhecimento.
A cultura racionalista está
baseada no método dedutivo e em sua perspectiva, o mundo é visto como uma máquina
perfeita sobre os princípios cartesianos que são: 1- Ordem; 2- Separabilidade,
3- Redução, 4- Razão. Caracteriza-se por uma realidade mecanicista e
determinista, que busca a supervalorização da razão e a “emancipação” dos
homens, tal realidade gera efeitos desastrosos na ciência, na ética, no homem,
na sociedade, etc.
Nas Meditações
Descartes afirma (1979, p.134): “[...] é certo que eu, isto é, minha alma,
pela qual eu sou o que sou, é inteira e verdadeiramente distinta de meu corpo e
que ela pode ser ou existir sem ele.” E como consequência do Cogito que fora acentuada foi o dualismo[1]
formando uma dicotomia entre corpo e consciência. Sobre isso, afirma
Vasconcellos:
Ao assumir uma posição dualista no que diz
respeito à questão ontológica da relação entre o pensamento e o ser, fracionou
oficialmente o mundo em material e espiritual, corpo e mente, nos seres vivos.
Admitia duas substâncias: uma das coisas, cujo é a extensão (res extensa); e outra do sujeito
pensante (ego cogitans), cujo
atributo é o pensamento; portanto, dois princípios independentes, um material e
um espiritual. Como vimos, instala-se aí a separação entre filosofia (o domínio
do sujeito, da meditação interior) e ciência (o domínio da coisa, da medida, da
precisão). E aí estão as raízes da disjunção entre cultura humanista e cultura
científica. (2002, p.62).
A autora acima afirma
que, a posição dualista cartesiana acaba por dividir o mundo, formando um
verdadeiro paradoxo. Sendo que, é nessa realidade que se dá a separação entre a
filosofia que está voltada para ego
cogitans (voltando-se para o campo interior, responsável pelo pensamento) e
a ciência res extensa (voltando-se
para o material, precisão, medida, etc.). Vê-se que o cogito influencia decisivamente na vida e comportamento do homem
moderno, exacerbando o uso da razão e anulando a dimensão corpórea e o campo
dos sentimentos.
Sendo assim, o pensamento do filósofo e matemático
francês ainda continua sendo usado como paradigma para a modernidade. O
contributo cartesiano para o período moderno foi notável e perpassaram diversos
campos (do conhecimento ao agir), não obstante, essa influência é sentida na
contemporaneidade.
No terceiro capítulo, propomo-nos fazerum diálogo
entre Descartes que fora apresentado no capítulo anterior e Edgar Morin[2],
mostrando uma leitura moraniana a respeito do que fora proposto por Cartesius durante a formação do
paradigma moderno. Diante de todo o contexto da modernidade e do que é proposto
o novo paradigma para humanidade, chegando até a nossa contemporaneidade.Propomos
que, embasado no pensamento de Morin focalizemos sua crítica em dois aspectos
da filosofia de Descartes: A mecanização e A fragmentação, assim como também
buscaremos apresentar uma análise sobre como se deu a formação do paradigma
cartesiano. Sua também crítica está voltada para dúvida no sentido de uma
consciência de um saber incerto e da sua visão a respeito da “miséria
epistemológica” das ciências humanas e sociais. A crítica moriniana aponta para
a complexidade que constitui o ser humano e suas relações, pretendendo oferecer
as bases epistemológicas de uma “política do homem”, ou melhor, de “uma
política de civilização”. Por isso, para Morin é preciso que se faça uma
mudança epistemológica, onde o conhecimento estará voltado para uma teoria da
complexidade[3].
Com o pensamento cartesiano, formou-se uma filosofia
do sujeito que consistia em um “EU” que não duvida que duvida, com isso, surge
o fundamento último de seu pensamento que culmina na filosofia moderna. Com o
dualismo res cogitans e res extensa
trabalhado anteriormente, o homem fica situado metafisicamente entre ele e
Deus, cuja capacidade humana não consegue atingir, nesse contexto surge o
fechamento em si, enquanto, o campo científico foi se distanciando do objeto do
conhecimento. E em um segundo momento, na sua relação com a natureza,
privando-a a uma finalidade e submetendo-a as leis mecânicas, para tanto, Morin
faz uma leitura negativa de Descartes como iniciador do racionalismo moderno. E
ele nos diz que, “a exclusão do sujeito efetuou-se na base de que a
concordância entre experimentações e observações por diversos observadores
permitia chegar ao conhecimento objetivo.” (Morin, 2010, p.137). Dessa forma, o
mundo passa a ser visto como uma concordância entre o racional e a realidade buscando
a coerência entre ambos, uma ruptura e descontinuidade com proposta do saber
anterior, afirmando assim, a necessidade de que as ações e sociedade fossem
movidas por uma razão individualizada.
O paradigma simplista. Em que consistia? O
mesmo tem por finalidade dividir em quantas partes forem possíveis para que se
chegue ao conhecimento do objeto, com isso, gerou-se a compartimentalização do
saber e não se têm mais uma visão do todo e sim das partes do todo. É nessa
perspectiva que Morin faz uma leitura negativa desse saber fragmentado
influenciado pelo “pai” da modernidade e propõe que se busque um novo
paradigma, que se busque o todo, que o conhecimento esteja “tecido junto”. Pois
muitas vezes, é nesse vácuo entre um campo do conhecimento e outro que se
encontram as respostas. Para isso, propor-se-á a busca por um pensamento
complexo (do que é tecido junto) para então se aproximar mais do todo e
procurar dar respostas às realidades complexas que surgem no cotidiano.
Com isso, far-se-á
necessário a implantação de um paradigma que procure mais que a
interdisciplinaridade, mas que busque a teia do conhecimento onde todas as
áreas estão intrinsicamente ligadas, sendo assim, insurge o pensamento complexo
que como foi dito anteriormente consiste em buscar a formulação de um
conhecimento numa perspectiva do todo, uma razão aberta, um conhecimento
interligado.
Nessa perspectiva,
Morin faz uma leitura daquilo que fora a modernidade e das influências de
Descartes, sendo assim, ele nos traz uma leitura negativa dos aspectos
cartesianos, entre eles estão: a mecanização, a fragmentação, a racionalização,
a intersubjetividade, a simplificação, a razão fechada. E estes segundo este
pensador contemporâneo, perpassam da modernidade até a contemporaneidade
influenciando de forma significativa na formação do homem e do seu
relacionamento com o cosmo. Na sua crítica, Morin espera que haja uma mudança
paradigmática e assim saíamos do paradigma moderno da simplificação para um que
propõe a complexidade onde haja uma razão aberta que veja a ambivalência
presente no mundo e na formação do conhecimento.
Sendo
assim, se o pensamento fomentado pelo paradigma simplista não está conseguindo
responder a complexidade que nos circunda, far-se-á necessário a substituição
do mesmo por um que consiga englobar essas partes que fazem parte de um todo. E
é nesse contexto que Morin insurge com a teoria da complexidade, visando esse
diálogo ambivalente entre as partes que ao mesmo tempo é ordem-desordem; certo-
incerto; causa- causante; assim, nesse paradoxo é que se aproxima mais do
objeto a ser conhecido. É nesse contexto afirma Petraglia que ele, propõe para
esse milênio o princípio de incerteza como norteador da humanidade, assim, é
necessário que se busque conviver e compreender com as contradições, para se
compreender os limites e as insuficiências de um pensamento simplificador.
Para
Morin, o sistema se organiza na relação das diferenças em seu meio. É nesse
antagonismo que as partes se relacionam numa complementariedade, sendo assim, é
embasado no princípio da identidade em que cada qual tem,que se participa desse
todo que o envolve.Não obstante, a sua proposta é pela substituição do
paradigma simplificador moderno pelo que está nascendo, o complexo. É muito
mais que uma virada epistemológica o que é proposto, é uma mudança
paradigmática, onde o complexo submerge o simplificador. Nessa perspectiva, o
estudioso defende a relação existente entre afetivo e intelectual que são
indissociáveis ambas fazem parte desse todo que é o antropos, que para o pensador é um ser “biocultural” (formado por
100% biológico e 100% cultural).
Destarte, propor-se-á
ter uma visão complexa mediante uma ambivalência que nos faz interagir com a
desordem que supõe um grau de organização. Eis o método que nos é proposto por
Morin:o princípio da complexidade. Posteriormente, no que se refere à
separabilidade da ciênciaonde muitas vezes as respostas estão nesse vácuo
deixado entre uma ciência e outra, far-se-á necessária à instauração de um novo
paradigma e este promoverá a transdisciplinaridade, dando-nos um conhecimento
complexo não obstante ao paradigma simplista em que vivemos.
Tenho dito!
[1]“Rótulo mais comum dado à idéia
cartesiana de que há dois tipos de substância, mente (ou ‘substância pensante’)
e corpo (ou ‘substância extensa’), cujas naturezas são radicalmente opostas.”(CONTTINGHAM,
Jonh. Dicionário de Descartes. Trad.
Helena Martins. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995).
[2]“ (1921- ) Pensador original e
fecundo, o francês (nascido em Paris) Edgar Morin começou a desenvolver sua
reflexão sob a influência de Hegel, de Lukács e de Sartre, sobretudo acerca do
materialismo dialético. Ao ser expulso do Partido Comunista Francês (1951) por
criticar o marxismo ‘oficial’, que mascara os verdadeiros problemas e se torna
dogmático, Morin passou a defender a tese de uma totalidade ‘aberta’ e de um
pensamento ‘planetário’, revendo e criticando todas as formas dedogmatismo.”(JAPIASSÚ,
Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário
Básico de Filosofia. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1996, p.188).
[3]“Define-se como ‘teoria da C.’
uma vasta tendência anti-reducionista que se desenvolveu emváriossetores de
pesquisa científica a partir do início do século XX e culminou nos anos 1980
num verdadeiro movimento epistemológico, que congregou autores europeus,
sul-americanos e norte-americanos”. (ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia.
Tradução Alfredo Bosi. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 182).
Por Seminarista Gustavo Luz
Ás 17h00, o Prof. M. Sc. Pe. Rodrigo Fraga Sant´anna
iniciava sua palestra sobre o tema: “Um capítulo da Reforma Litúrgica no
Brasil: Diretório para missas com grupos populares”.
Na terceira noite da XVI Semana Filosófica e XI Teológica, o Prof. M. Sc. Pe. Roberto Benvindo dos Santos ministrou a Conferência "A Reforma da Liturgia e o Missal Romano", o mesmo teve como mediador o Prof. M. Sc. Pe. Rodrigo Fraga Sant'anna. O tema, muito pertinente, foi muito bem desenvolvido.
Tratou-se, a princípio, de uma situação histórica da Sagrada Liturgia da Igreja e que, associada com a mesma, permanece a reforma do Missal Romano do Papa São Pio V que foi principiada pelo Beato Papa João XXIII quando da convocação do Sacrossanto Concílio Ecumênico Vaticano II e continuado por seu venerável sucessor o Papa Paulo VI.
O Pe. Roberto fez uma periodização no que tange à Celebração da Santa e Divina Liturgia desde os primários séculos do Cristianismo, cortando os séculos posteriores até o pontificado do Papa Pio V, um dos pontos cruciais para a Reforma Litúrgica feita pelo Vaticano II.
Vale destacar um ponto capital mencionado pelo conferencista: a aproximação que em tempos de outrora existia, desde os tempos apostólicos, entre as duas mesas, a saber: A Mesa da Palavra, o Ambão, e a Mesa do Pão Eucarístico, a Ara, que estavam sendo dissociadas. O Ambão ficou esquecido, porquanto, do altar e no próprio missal, o sacerdote lia a Epístola e o Evangelho.
A Reforma Litúrgica passara por esse prisma: em evidenciar a unidade da Celebração Eucarística, vislumbrada pela participação no que ficou denominado posteriormente ao Concílio, como o "Pão da Palavra e o Pão da Eucaristia". Tal colocação faz-nos remeter ao quadro dos discípulos que peregrinavam rumo a Emaús. Neste ínterim, o Senhor abre-lhes a inteligência pela palavra da Escritura e quando chegam àquela aldeia, mostra-lhese permanece na fração do Pão Eucarístico. A experiência mística daqueles dois e da Igreja quando oferece ao Pai a Hóstia de Louvor deve ser o pedido dos mesmos: "fica conosco Senhor! É tarde e o dia já declina!" (cf. Lc 24)
Neste sentido, a Missa, como dizia São Pio da Pietrelcina "é o sol da Igreja" e a participação ativa dos fiéis é obtida quando é cônscia quando se sabe: "quem celebra, onde celebra e quando se celebra". Desta maneira, podemos constatar a guinada da Reforma no Vaticano II pelo fato dos manuais e orientações ficarem disponíveis á "Assembleia Litúrgica", os batizados, que, como ensina a Sacrosanctum Concilium, é uma das presenças de Cristo na Liturgia.
Tratou-se, a princípio, de uma situação histórica da Sagrada Liturgia da Igreja e que, associada com a mesma, permanece a reforma do Missal Romano do Papa São Pio V que foi principiada pelo Beato Papa João XXIII quando da convocação do Sacrossanto Concílio Ecumênico Vaticano II e continuado por seu venerável sucessor o Papa Paulo VI.
O Pe. Roberto fez uma periodização no que tange à Celebração da Santa e Divina Liturgia desde os primários séculos do Cristianismo, cortando os séculos posteriores até o pontificado do Papa Pio V, um dos pontos cruciais para a Reforma Litúrgica feita pelo Vaticano II.
Vale destacar um ponto capital mencionado pelo conferencista: a aproximação que em tempos de outrora existia, desde os tempos apostólicos, entre as duas mesas, a saber: A Mesa da Palavra, o Ambão, e a Mesa do Pão Eucarístico, a Ara, que estavam sendo dissociadas. O Ambão ficou esquecido, porquanto, do altar e no próprio missal, o sacerdote lia a Epístola e o Evangelho.
A Reforma Litúrgica passara por esse prisma: em evidenciar a unidade da Celebração Eucarística, vislumbrada pela participação no que ficou denominado posteriormente ao Concílio, como o "Pão da Palavra e o Pão da Eucaristia". Tal colocação faz-nos remeter ao quadro dos discípulos que peregrinavam rumo a Emaús. Neste ínterim, o Senhor abre-lhes a inteligência pela palavra da Escritura e quando chegam àquela aldeia, mostra-lhese permanece na fração do Pão Eucarístico. A experiência mística daqueles dois e da Igreja quando oferece ao Pai a Hóstia de Louvor deve ser o pedido dos mesmos: "fica conosco Senhor! É tarde e o dia já declina!" (cf. Lc 24)
Neste sentido, a Missa, como dizia São Pio da Pietrelcina "é o sol da Igreja" e a participação ativa dos fiéis é obtida quando é cônscia quando se sabe: "quem celebra, onde celebra e quando se celebra". Desta maneira, podemos constatar a guinada da Reforma no Vaticano II pelo fato dos manuais e orientações ficarem disponíveis á "Assembleia Litúrgica", os batizados, que, como ensina a Sacrosanctum Concilium, é uma das presenças de Cristo na Liturgia.
Fotos: Seminarista José Dalmo