29.11.13

XVI Semana Filosófica e XI Teológica - 3º dia

A tarde foi iniciada com um artigo científico sobre “A Teologia da “Continuidade” na Sacrosanctum Concilium”, apresentado pelo seminarista Everson Fontes Fonseca, concludente do curso de Teologia.







ESTUDO SOBRE A “SACROSANCTUM CONCILIUM”

Ao nos inscrevermos para fazer uma comunicação nesta XVI Semana Filosófica e XI Teológica, no afã de festejar o quinquagésimo aniversário do Concílio Vaticano II e, por esta data áurea, os cinquentas anos de promulgação do primeiro rebento conciliar, a Constituição Dogmática “Sacrosanctum Concilum”, é-nos incumbida a grave tarefa de falar sobre a Liturgia da Igreja no contexto do último Concílio através desta mesma Constituição Dogmática que trata justamente sobre a Sagrada Liturgia, baseados na observância da reflexão acerca da Teologia da Continuidade que, tanto no Concílio quanto a partir dele, nos é oferecida. 

Para tanto, faz-se mister que recorramos primordialmente a alguns documentos magisteriais da Igreja, dentre eles a própria Constituição Sacrosanctum Concilium (como é natural), bem como a comentários contemporâneos e posteriores à sua promulgação. Por tal motivo, achamos salutar adentrar no contexto histórico para vislumbrarmos o panorama que cerca a temática seja temporalmente, seja ideologicamente.

Desde 11 de outubro de 1962, o Papa João XXIII, data de inauguração do Vaticano II, expõe a grande motivação de sua convocação: “Iluminada pela luz deste Concílio, a Igreja, como esperamos confiadamente, engrandecerá em riquezas espirituais e, recebendo a força de novas energias, olhará intrépida para o futuro. Na verdade, com as atualizações oportunas e com a prudente coordenação da colaboração mútua, a Igreja conseguirá que os homens, as famílias e os povos voltem realmente a alma para as coisas celestiais”. O aggiornamento della Chiesa, palavra italiana eternizada com a história do Vaticano II, muito mais do que um romper, é um continuar da senda bimilenar da Tradição Apostólica e da tradição histórica da Igreja de Cristo. O ‘Papa Bom’, cognome de João XXIII, como especialista em História da Igreja, é cônscio de tal sequência, e, no mesmo discurso de abertura do Concílio, deixa claro que o objetivo da reunião não é o de romper em prol de novidades, mas um primar pela continuidade histórico-teológica, ao tempo em que estabelece pontes com a hodiernidade: “O XXI Concílio Ecumênico, que se aproveitará da eficaz e importante soma de experiências jurídicas, litúrgicas, apostólicas e administrativas, quer transmitir pura e íntegra a doutrina, sem atenuações nem subterfúgios, que por vinte séculos, apesar das dificuldades e das oposições, se tornou patrimônio comum dos homens. Patrimônio não recebido por todos, mas, assim mesmo, riqueza sempre ao dispor dos homens de boa vontade. É nosso dever não só conservar este tesouro precioso, como se nos preocupássemos unicamente da antiguidade, mas também dedicar-nos com vontade pronta e sem temor àquele trabalho hoje exigido, prosseguindo assim o caminho que a Igreja percorre há vinte séculos”.

Estreitando o nosso campo de estudo, passemos agora para os preliminares da Constituição Sacrosanctum Concilium, fazendo, para tanto, um brevíssimo histórico de seus antecedentes. A partir do século XIX, sob o pretexto de eliminar as particularidades que vão de encontro à unidade romana, surge o Movimento Litúrgico, cujas influências não se detiveram aos anos de 1800, mas que adentraram fortemente no século XX. Este Movimento, espraiado na Europa – em especial na França (Guéranger, Lambert Bauduin), Áustria (Pius Parsch), Alemanha (Odo Casel) e Itália (Romano Guardini, Mario Righetti e outros), pretende ‘recuperar’ os valores da vida litúrgica da comunidade cristã, cuja participação, em geral, se restringia, conforme os críticos pensam, a uma mera assistência de espectadores do culto. Com a eleição de Pio X, o Movimento Litúrgico foi apadrinhado pelo Romano Pontífice que, em 1903, com o seu Motu Proprio Tra le sollecitudine, fez um convite à purificação do canto e da música na liturgia, e deu a orientação de que os fiéis encontrassem o verdadeiro espírito cristão na sua fonte primeira e indispensável, a participação ativa nos sacrossantos mistérios e na oração pública e solene da Igreja. Pio XII também não foi indiferente ao Movimento Litúrgico, provam-nos a sua Carta Encíclica Mediator Dei, de 1947, e, anterior a esta, a Encíclica Mystici Corporis, em 1943, que é eminentemente eclesiológica, mas que toca em assuntos da práxis litúrgica da Igreja. Similarmente, são legados do seu pontificado outros documentos de cunho litúrgico e pequenas reformas nas cerimônias litúrgicas. No início de 1962, ano da abertura do Concílio, porém não dentro das reuniões conciliares, quando da nova edição do Missal Romano, o Beato João XXIII deixou entrever que os grandes princípios comandantes da reforma geral da liturgia deveriam ser propostos aos Padres Conciliares no subsequente Concílio Ecumênico. Como ações, o Movimento Litúrgico insistiu na publicação de vários manuais de rubricas e cerimônias para os padres, a edição de missais bilíngues para que os fiéis acompanhassem a Missa, a autorização que conseguiram da Santa Sé para que os sacramentos, fora da Missa, fossem celebrados em vernáculo (principalmente o Matrimônio), o incentivo à Missa dialogada, a insistência no canto gregoriano (em virtude de certas polifonias que eram muito rebuscadas e demoradas) etc. Sendo assim, primaram por tentar recuperar a simplicidade do rito romano. Mesmo dentro do espírito do Movimento Litúrgico havia segregações de duas naturezas basicamente: uns apoiavam reformas que respeitariam o desenvolvimento orgânico, não mutilando o que foi acrescentado de modo natural ao rito ao longo dos séculos; outros, extirpando o que considerariam acessórios dentro das celebrações. Ainda hoje, fazemos uso, das inovações propostas pelo Movimento Litúrgico, algumas até que já poderiam ter perdido o seu lugar, como os pedagógicos subsídios litúrgico-catequéticos para a participação da Santa Missa.

João XXIII morre em 03 de junho de 1963 (Solenidade de Pentecostes, e é eleito Papa o Cardeal Montini, que impôs sobre si o onomástico de Paulo VI. Em 04 de dezembro de 1963, se deu a promulgação do primeiro trabalho consolidado de fato pelo Vaticano II: a Constituição Dogmática Sacrosanctum Concilium. O texto deste protodocumento foi apresentado aos padres conciliares em outubro de 1962 e, depois da sua discussão e correção, foi finalmente aprovada com o sufrágio dos bispos, inclusive do de Roma. O placar ficou em 2147 placet (aprovações) contra apenas 4 non placet. Comentando a decisão, pela revista brasileira “O Cruzeiro”, o então Monsenhor Luciano Duarte, o nosso Dom Luciano, entusiasmado, escrevia, inserindo os fiéis da Terra de Santa Cruz no andamento do Vaticano II: “Durante esta segunda sessão do Concílio, ao mesmo tempo em que se debatiam os vários capítulos do esquema sobre a Igreja, os Padres Conciliares votaram, definitivamente, as emendas sugeridas durante a primeira sessão, no ano passado, sobre a Liturgia. A porcentagem da aprovação foi, em todos os casos, de mais de 90%. Isso traduz a impressionante quase unanimidade com que os Bispos do mundo inteiro dizem sim a uma necessária e urgente modificação no culto. Esse é o primeiro resultado concreto do Concílio. Agora, falta apenas a promulgação da reforma, que será feita pelo Papa, e deverá ocorrer ao término da segunda sessão conciliar”. Teologicamente, este escrito do Padre Luciano Duarte parece dizer que o Vaticano II quer dar um tom de descontinuidade à tradição litúrgica. Porém, tendo em vista os seus interlocutores e a linguagem jornalística utilizada (portanto, rebaixada a um entendimento laico), e conhecendo a polidez teológica do referido sacerdote, sempre consoante com o que Igreja ensina, Monsenhor Luciano Duarte não feriu a salutar interpretação do Vaticano II que pauta pela continuidade. Até porque, no número 23 da Sacrosanctum Concilium, temos: “Para conservar a sã tradição e abrir ao mesmo tempo o caminho a um progresso legítimo, faça-se uma acurada investigação teológica, histórica e pastoral acerca de cada uma das partes da Liturgia que devem ser revistas. Tenham-se ainda em consideração às leis gerais da estrutura e do espírito da Liturgia, a experiência adquirida nas recentes reformas litúrgicas e nos indultos aqui e além concedidos. Finalmente, não se introduzam inovações, a não ser que uma utilidade autêntica e certa da Igreja o exija, e com a preocupação de que as novas formas como que surjam a partir das já existentes. Evitem-se também, na medida do possível, diferenças notáveis de ritos entre regiões confinantes”.

Logo, se o Vaticano II aggiorna a Igreja como um todo para o mundo, mesmo ela não tendo a sua finalidade para as coisas seculares, especificamente a Sacrosanctum Concilium atualiza a linguagem litúrgica, dentro de parâmetros retilíneos, para que o homem alcance Deus com meios mais próximos a si. Mas, nem por isso, a Liturgia da Igreja deixará de ser o máximo culto que podemos dispensar ao Pai, não sendo obra de intentos humanos, mas instituição do Senhor Jesus Cristo no seu Corpo Místico, pela potência do Espírito Santo. Celebramos o Pai no Cristo, por Cristo e em Cristo, graças ao Espírito Santo que age na Igreja. Portanto, as determinações da Sacrosanctum Concilium não são meramente atualizações temporais, mas uma facilitação para que o fiel seja inserido com mais afinco naquilo que celebra. Daqui, chegamos à importância e ao lugar da liturgia na Igreja, clarificados pelo documento conciliar, recorrendo, é claro, a elementos anteriores e, por isso, participantes do arcabouço teológico da Igreja: “A Liturgia […] contribui em sumo grau para que os fiéis exprimam na vida e manifestem aos outros o mistério de Cristo e a autêntica natureza da verdadeira Igreja, que é simultaneamente humana e divina, […] mas de forma que o que nela é humano se deve ordenar e subordinar ao divino, o visível ao invisível, a ação à contemplação, e o presente à cidade futura que buscamos (Hb 13,14)” (n. 2). Assim sendo, ao celebrar os divinos mistérios, o fiel é chamado a fazer de sua vida a vida da Igreja que, humana e divina, eleva os homens a Deus já no hoje da nossa existência, fazendo entrever e pré-libar a bem-aventurança eterna.

Relacionado a uma participação mais eficiente dos fiéis, a Igreja, por meio desta Constituição Dogmática, também abre o rito litúrgico para as línguas vernáculas, sem olvidar do latim. De fato, as nossas celebrações tornaram-se mais entendíveis aos que delas participam, porém, em muitos lugares, criou-se uma ojeriza à língua latina, língua eminentemente litúrgica e teológica graças à sua precisão ao passar dos séculos em dadas terminologias; ou pior, em nome de uma maior participação dos fiéis, celebramos em vernáculo, mas será que de fato a assembleia se esforça para a devida concentração do que se celebra, ou a sua participação se relega a uma passividade e alheamento como uma realidade distante de si? Aqui, habita a importância da catequese, inclusive litúrgica, dos cristãos. Isto é formação: seja em latim ou em vernáculo, o fiel precisa ser cônscio do que celebra, do seu porquê e do para que celebra, não se restringindo apenas para o ‘a quem’ celebrar. O número 54 assim reza: “A língua vernácula pode dar-se, nas missas celebradas com o povo, um lugar conveniente, sobretudo nas leituras e na ‘oração comum’ e, segundo as diversas circunstâncias dos lugares, nas partes que pertencem ao povo, conforme o estabelecido no art. 36 desta Constituição. Tomem-se providências para que os fiéis possam rezar ou cantar, mesmo em latim, as partes do Ordinário da missa que lhes competem”; já o número 36, os dois primeiros parágrafos: “§ 1. Deve conservar-se o uso do latim nos ritos latinos, salvo o direito particular. § 2. Dado, porém, que não raramente o uso da língua vulgar pode revestir-se de grande utilidade para o povo, quer na administração dos sacramentos, quer em outras partes da Liturgia, poderá conceder-se à língua vernácula lugar mais amplo, especialmente nas leituras e admoestações, em algumas orações e cantos, segundo as normas estabelecidas para cada caso nos capítulos seguintes”.

Vasculhando sobre o assunto, descobrimos algo que pouquíssimos sabem: a existência de uma Constituição Apostólica denominada “Veterum Sapientia”, de Sua Santidade João XXIII, que trata sobre o uso do latim. Este documento, datado de 22 de fevereiro de 1962, meses após a convocação do Vaticano II, ano em que este deu início, parece retratar algo que parecia indispensável ao ‘Papa Bom’: a permanência e afluência do latim como língua eclesiástica e, portanto, litúrgica. Diz-nos João XXIII: “De fato, pela sua própria natureza, a língua latina é capaz de promover, junto a qualquer povo, toda a forma de cultura; e como não suscita inveja e se apresenta imparcial para todos os povos, não é privilégio de ninguém, e, enfim, a todos aceita e reúne. […] E é necessário que a Igreja use uma língua não só universal, mas também imutável. […] Finalmente, como a Igreja Católica, tendo sido fundada por Cristo Nosso Senhor, excede significativamente em dignidade a todas as sociedades humanas, é sumamente conveniente que ela use uma língua não popular, mas rica de majestade e nobreza. […] a língua latina, que ‘com todo o direito podemos chamar católica’ (Pio XI. Carta Apostólica Officiorum omnium, 1922), pois é própria da Sé Apostólica, mãe e mestra de todas as Igrejas, e consagradas pelo uso perene, deve ser mantida como ‘tesouro de incomparável valor’ (Pio XII. Alocução Magis quam, 1951) e como porta através da qual se abre a todos o acesso às mesmas verdades cristãs, transmitidas dos antigos tempos, para interpretar o testemunho da doutrina da Igreja e, enfim, o mais idôneo vínculo, mediante o qual a época atual da Igreja se mantém unida aos tempos passados e ao futuro de modo admirável. […] E como neste nosso tempo começou-se a contestar em muitos lugares o uso da língua romana e muitíssimos pedem o parecer da Sé Apostólica sobre tal assunto, decidimos, com oportunas normas enunciadas neste documento, proceder de tal modo que o antigo e jamais interrupto costume da língua latina seja conservado e, se de alguma forma ele foi colocado em desuso, seja completamente restabelecido. […] Os Bispos e Superiores Gerais das Ordens religiosas, movidos de paterna solicitude, deverão vigiar para que nenhum dos seus subordinados, ansioso de novidades, escreva contra o uso da língua latina no ensino das sagradas disciplinas e nos sagrados ritos da Liturgia e, com opiniões preconceituosas, se permita de diminuir a vontade da Sé Apostólica na matéria e de interpretá-la erroneamente”. Interessante notarmos também algo que aconteceu nos derradeiros meses do grande pontificado do Papa Bento XVI. No último 10 de novembro de 2012, o Romano Pontífice publicou o Motu Proprio “Latina Lingua”, criando a Pontifícia Academia Latinitatis, instituto já querido por João XXIII há cinquenta anos, fato expressado na Constituição Apostólica Veterum Sapientia. Segundo o Motu Proprio expedido pelo nosso Pontífice emérito: A nova Academia deverá “favorecer o conhecimento e o estudo da língua e da literatura latina, seja clássica como patrística, medieval e humanística, especialmente nas Instituições de formação católicas que formam seminaristas e sacerdotes; e promover o uso do latim em diversos âmbitos, seja como língua escrita, como falada”. Agora, cabe-nos uma interrogação, como conjugar pastoralmente o entendimento popular com aquilo que a Igreja pensa para a Sagrada Liturgia, seja acerca do uso do latim ou da língua vernácula como idioma(s) litúrgico(s) se não houver uma catequese bem feita? Mesmo utilizando o latim como idioma celebrativo, o povo deve ser cônscio daquilo que celebra. Com isso, frisamos que não estamos aqui para defender ou não o uso desta língua clássica dentro da estrutura litúrgica, mas ponderarmos juntos sobre esta questão: o povo está preparado para esta realidade?

Outra temática que nos veem à tona, bastante discutida por muitos, é a posição do sacerdote para o Sacrifício da Missa: versus Deum ou versus Populum. O termo versus Deum é uma evolução do que, desde a antiguidade dos primeiros séculos da Igreja, se chamava ad Orientem. Segundo a história da Liturgia, durante a maior parte dos últimos dois milênios, na Igreja Latina, a Santa Missa foi celebrada estando o sacerdote voltado para o oriente, seja o oriente real (geográfico) ou litúrgico (místico). Por isso ser chamada celebração ad orientem. O oriente é, para nós da Igreja Romana, a direção em que se localiza Jerusalém, a cidade que é modelo do paraíso (chamado de Nova Jerusalém) e onde Nosso Salvador foi morto no madeiro da cruz. Também no oriente nasce o sol e Jesus Cristo é o verdadeiro Sol, pois é a luz do mundo. Por fim, segundo a tradição bíblica, é do Oriente que Jesus retornará (cf. Mt 24,27). As igrejas, no passado, geralmente eram construídas voltadas para o oriente. O oriente passou a ser antes o oriente litúrgico que o oriente real. Estando o sacrário, em geral, no fundo dos presbitérios, ou mesmo a cruz com o Cristo pendente, o sacerdote celebrava voltado para ele, volvendo-se para a assembleia nas admonições e para a homilia, independentemente da arquitetura da igreja. Desde então, a maior parte das igrejas foi construída tendo o altar grudado a um retábulo, ambos no fundo da nave ou no fim do presbitério. A celebração nesta forma também era chamada de coram Deo (na frente de Deus). Com uma falsa interpretação do Concílio Vaticano II, muitos altares fixos aos retábulos foram destruídos; muitos deles verdadeiras obras de arte que se esvaíram. Embora a Sacrosanctum Concilium não faça alusão direta à disposição do altar no corpo do edifício litúrgico, esta discussão é advinda da época pós-Vaticano II, graças àquilo que o Concílio previa acerca da reforma dos livros litúrgicos, dentre eles o Missal Romano; apenas o documento do Vaticano II sobre a Liturgia enceta que a contemplação é prioritária e que toda a celebração da Santa Missa deve ser orientada para os mistérios celestes, portanto, no entendimento dos que defendem a tradição litúrgica, este intento de contemplação dos mistérios celestes faz com que seja salutar a celebração voltado para o Senhor, representado na cruz que encima o altar, ou mesmo diante do Santíssimo Sacramento.  No entanto, com o desenvolver daquilo que fora promulgado no Vaticano II, a Instrução Geral ao Missal Romano para a Terceira Edição Típica, a utilizada atualmente, reza: “O altar mor seja construído afastado da parede, a fim de ser facilmente circundado e nele se possa celebrar de frente para o povo, o que convém fazer em toda parte onde for possível” (n. 209). No entanto, esta determinação da Instrução ao Missal Romano não contraria o que já se fazia anteriormente, a missa versus Deum, muito pelo contrário. Prova-nos isto o que Bento XVI disse na Carta Apostólica sob a forma de Motu Proprio “Summorum Pontificum”: “Quanto ao uso do Missal de 1962 (e, obviamente também às suas instruções), como Forma Extraordinária da Liturgia da Missa, quero chamar a atenção para o fato de que esse Missal nunca foi juridicamente ab-rogado e, consequentemente, em princípio sempre continuou permitido. […] Não existe nenhuma contradição entre uma edição e outra do Missale Romanum. Na história da Liturgia, há crescimento e progresso, mas nenhuma ruptura”. Para os mais tradicionais, em acusação aos mais progressistas que entendem que é mais adequado ao povo que o padre a eles esteja voltado, o fato de celebrar versus Deum, antes de distinguir o sacerdote do povo que celebra, quer ser um gesto igualitário entre eles: o sacerdote é apenas o primeiro dos que prestam o culto a Deus, assim, todos estão para o Oriente, para Deus. Isso tendo sempre em mente que antes de ser um banquete a Missa é um sacrifício. Por este motivo, estando o rito e tudo quanto dele participa dentro da celebração da Santa Missa orientados para o sentido da glorificação e da adoração de Deus, a presença de Cristo, seja representada por uma cruz com uma imagem sua, seja pela Divina Eucaristia custodiada no sacrário, manifesta-se como elemento central, sobretudo, no momento da Consagração e da Sagrada Comunhão. Quanto mais isto mesmo for respeitado, tanto menos o homem se colocará no centro da celebração, tanto menos a celebração se assemelhará a um círculo fechado, mas, pelo contrário estará aberto, mesmo de uma forma exterior, para Cristo, como numa verdadeira procissão que se dirige para Ele, com o sacerdote à cabeça.

O Missal de Paulo VI (como é conhecido o que está sendo utilizado na forma ordinária do Rito Romano) não deixa de possuir ‘respingos hereditários’ do que era previsto no Missal anterior ao do Vaticano II, ou seja, o de Pio V, reformado por João XXIII. Assim sendo, nas rubricas do Ordinário da Missa, temos: 1) Nos Ritos Iniciais: “O sacerdote, voltado para o povo e abrindo os braços, saúda-o...”; 2) Na Liturgia Eucarística: “No meio do altar e voltado para o povo, estendendo e unindo as mãos, o sacerdote diz: Orai, irmãos e irmãs...”; “O sacerdote faz genuflexão, toma a hóstia e, elevando-a sobre a patena, diz em voz alta, voltado para o povo: Felizes os convidados para a Ceia do Senhor...”; ou ainda: “O sacerdote, voltado para o altar, reza em silêncio: Que o Corpo de Cristo me guarde para a vida eterna”. Em seu artigo para a revista francesa “L’Homme Nouveau”, edição 1511 de 15 de janeiro de 2012, o Bispo Dom Athanasius Schneider, Bispo Auxiliar de Astana, Cazaquistão, recorre a uma afirmação de Bento XVI no seu prefácio ao primeiro tomo das suas obras completas: “A ideia de que o sacerdote e a assembleia devem estar a olhar-se no momento da oração nasceu entre os modernos e é absolutamente estranha à cristandade tradicional. O sacerdote e a assembleia não se dirigem mutuamente uma oração, mas é ao Senhor que ambos se dirigem, eis porque, na oração, eles mesmos devem olhar na mesma direção: ou para o Oriente, como sendo esta direção o símbolo cósmico do regresso do Senhor, ou então, onde isto não seja possível, para uma imagem de Cristo situada na ábside, para uma cruz ou muito simplesmente para o alto.” O Papa Bento XVI, para tentar retomar o sentido do oriente litúrgico, sem causar grandes reboliços, aventou uma forma nova de preparar o altar, chamada, em sua homenagem, de “arranjo beneditino”, que consiste em colocar, na frente do altar, quando da celebração versus populum, seis candelabros com velas e uma cruz no centro, voltada para o celebrante. O celebrante, então, volta-se para o Crucificado enquanto oficia a Missa, sendo assim versus Deum. Ao mesmo tempo, o povo o vê por trás da cruz, sendo assim também versus populum.

Mediante a apresentação destas três temáticas litúrgicas, não o fizemos aleatoriamente, mas com o intuito de ponderar acerca de certas realidades permeadas pelo desconhecimento total ou parcial de nossos fiéis, mas que, volta e meia, estão em voga. Se em muitas circunstâncias existem contrariedades na Liturgia, esta problemática não se dá pelo que prescreve o Vaticano II através da Sacrosanctum Concilium, mas por uma interpretação errônea que muitos fazem ou são passíveis. Poderíamos tratar de tantos outros assuntos, no entanto, o tempo e as condições se fazem abreviados para explorarmos a ‘bagagem’ teológica e pastoral atinente a este protodocumento conciliar. Por tal motivo, encorajemo-nos mutuamente para, como comunidade de louvor, isto é Igreja, Corpo de Cristo, Esposa que dialoga com o seu Amado por meio de nossas liturgias, exercício sacerdotal do Cristo, vivermos na dinâmica imensamente apregoada: Lex credendi – Lex orandi – Ars celebranda; serviço máximo ao Senhor para a nossa santificação e Sua glória. Que Deus nos abençoe neste intento!

Por Seminarista Everson Fontes


Em seguida, o seminarista Gustavo Luz, concludente do curso de Filosofia, expôs uma síntese de seu trabalho monográfico, o qual trata do seguinte tema: “A crítica à modernidade proposta por Descartes à luz de Edgar Morin”.









A CRÍTICA À MODERNIDADE PROPOSTA POR DESCARTES À LUZ DE EDGAR MORIN

Este trabalho tem como intuito vislumbrar a leitura que o pensador contemporâneo Edgar Morin faz a respeito das contribuições de René Descartes para a formação do paradigma moderno e de como esses contributos perpassaram até a nossa contemporaneidade.Utilizamos como base para o desenvolvimento do presente trabalho a obra Ciência com Consciência (2010) e o Discurso do Método (1979). É preciso salientar que, de antemão que a leitura moriniana, no tocante a essas influências cartesianas é negativa,o estudioso vê que o pensamento dele contribuiu para a formação de um paradigma simplificador, criando uma realidade reducionista.

            Nessa perspectiva, foi apresentada a modernidade em linhas gerais e como se deu o processo de instauração da mesma e de alguns importantes pensadores deste período, entre eles, está o filósofo francês René Descartes no qual nos delimitamos dando uma maior ênfase.  A modernidade é tida como a ruptura do paradigma medieval (centrado na tradição) para um “novo” que está centrando na racionalidade, sendo assim, esse período que envolve os séculos XVI e XVII é formado por transformações que envolvem a formação do homem como um todo. Com isso, formula-se um novo método científico superando as explicações míticas e dogmáticas e contrapondo-se as concepções tradicionais (homem, mundo, tempo e natureza).

            Quais aspectos traz a modernidade na perspectiva de Descartes? Na sua obra Discurso do Método (1996, p.37),destaca a ideia de que a razão é algo inato ao homem “[...] bom- senso ou razão é naturalmente igual em todos os homens.” Eis o argumento utilizado por Descartes para fundamentar a existência do “eu pensante”, à razão como algo inato ao homem. Agora o homem é o centro e não mais a tradição, o racional legitimará o bem emal, falso everdadeiro... Consciente disso, o homem se desliga da superstição, pondo a ciência como a detentora do saber e como única forma para se chegar à verdade.

            Que leitura Morin faz das contribuições de Descartes para esse período? Para ele, o ponto de partida para compreender essa realidade está em “[...] dispor de pensamento capaz de conceber e de compreender a ambivalência, isto é, a complexidade intrínseca que se encontra no cerne da ciência.” (MORIN, 2010, p.16). Nessa perspectiva, Morin afirma que: “O desenvolvimento científico comporta um certo número de traços ‘negativos’ que são bem conhecidos, mas que, muitas vezes, só aparecem como inconvenientes secundários ou subprodutos menores.” ( MORIN, 2010, p.16). Com essa objetivação do mundo para conhecê-lo, surge um novo processo para obter-se o conhecimento. Para tanto, Morin faz apontamentos sobre o lado mau da ciência moderna que são divididos em três eixos: 1°: o problema da ordem; 2°: o problema da separação das disciplinas; 3°: o problema da razão; A sua proposta é buscar um pensamento complexo (complexus: “do que é tecido junto”), para isso, ele traz como peça fundamental a dialógica e ambivalência fazendo uma relação de complementariedade.

No primeiro capítulo, falamos em modernidade e somos levados a um campo vasto, por isso, é necessário que façamos uma delimitação da temática e que fique claro que dimensão será abordada, pois com o tempo este termo vem sendo empregado, indevidamente, causando um empobrecimento semântico. Primeiramente, foi feita uma reflexão sobre a modernidade levando em consideração uma contextualização do período que a antecedera, conhecido como medieval. Sendo assim, temos uma visão global da realidade em que a modernidade surgira e como se deu o processo de formação e transição.

É preciso iniciar essa reflexão compreendendo a raiz etimológica da palavra modernidade (deriva de moderno em latim modernus: recentemente, agora mesmo); logo, nota-se que há um início de um novo período e,consequentemente, outro paradigma. Surgiu na Europa no século XVII como novo parâmetro para a realidade dada, uma verdadeira revolução no pensamento científico, chegando a influenciar de forma mundial. Inaugura-se um “novo” período,cuja racionalidade está centrada na subjetividade em que a ciência descobre que por si só é possível conseguir chegar as suas verdades, desligando-se da filosofia fator que perpassará até a contemporaneidade. Acerca disso, afirma Japiassú, “[...] inaugurada pelo Renascimento e que se contrapõe à escolástica e ao espírito medieval, desenvolvendo-se nos séc. XVI e XVII com Francis Bacon, Galileu e Descartes, dentre outros, até o Iluminismo do séc. XVII, do qual é a principal expressão.” Para o autor, o surgimento da modernidade trouxe consigo o rompimento definitivo entre fé e razão, contrapondo-se com os paradigmas vigentes. Acerca disso, Marcondes ratifica:

A modernidade se caracteriza por uma ruptura com a tradição que leva à busca, no sujeito pensante, de um novo ponto de partida alternativo para a construção e a justificação do conhecimento. O indivíduo será, portanto, a base deste novo quadro teórico, deste novo sistema de pensamento. É precisamente nisto que consiste o paradigma subjetivista na epistemologia. (1999, p.20, grifo do autor).

            De acordo com este autor, a passagem do paradigma medieval para o moderno foi um momento de transformação; ruptura; deixa-se o teocentrismo. Delineando-se um paradigma da racionalidade, em que a ratio (do latim razão) é a grande libertadora das crenças, superstições, explicações míticas, dogmas e, sobretudo, se contrapondo as concepções tradicionais fundamentando-se na própria subjetividade e não mais na autoridade absoluta política e religiosa.

Vê-se que diferentemente da realidade contemplativa, a que se propunha a filosofia antiga e de uma ciência submetida às razões da fé idealizada pela Idade Média, o novo paradigma está associado à techné (do grego: técnica, prática planejada) dando ao homem meios para que ele possa sair da situação de ignorância em que se encontra e passe a dominar e exercer o controle sobre a realidade que o cerca através da manipulação, pondo em alta as questões epistemológicas.

Sendo assim, o mundo moderno distingue-se do antigo, pelo fato de, abrir-se ao “novo” opondo-se ao paradigma vigente até o momento. Há um início de uma nova realidade histórica, que será marcada pela independência dos valores tradicionais, dos paradigmas vigentes, por um nascimento do progresso, desenvolvimento, antidogmatismo, crise, etc; e que, posteriormente, gerará uma verdadeira revolução, chegando até os nossos dias.

Ao longo da reflexão e da tentativa de conceitualização das influências e das mudanças que deram início ao novo paradigma transita o nascimento de uma nova fase da história da humanidade. Surge um novo período, em que o homem passa a buscar sua liberdade através do uso da razão.

            No segundo capítulo,refletimos sobre a contribuição do filósofo e matemático francês René Descartes (1596- 1650) para a construção do período moderno. Conhecido como o “pai” da modernidade, título concedido por sua notável contribuição, ele é considerado o mais importante entre os que contribuíram para a formação e instauração do paradigma moderno. Por conseguinte, as suas contribuições persistem e ainda continuam influenciando o homem contemporâneo, seus contributos permeiam diversos campos entre eles estão: ciência, educação, filosofia, o próprio homem, etc.

O pensamento cartesiano está inserido em um período marcado por uma reflexão antropocêntrica, ou seja, a realidade está voltada para o homem, diferentemente, do paradigma até então vigente, no qual a realidade estava focada em Deus. Assim, surge uma nova maneira de abordar o conhecimento que antes valorizava a relação sujeito e objeto, agora a tônica recai sobre o sujeito pensante e não tanto no objeto. Acerca disso, afirma Descartes (1979, p. 47):

E, notando que esta verdade: penso, logo existo, era tão firme e tão certa que todas as mais extravagantes suposições dos céticos não seriam capazes de a abalar, julguei que podia aceitá-la, sem escrúpulo, como o primeiro princípio da Filosofia que procurava. 

            Com a citação acima, percebe-se que o cogito inaugura um novo princípio que fundamentará a sua busca pelo conhecimento e este será o cerne da sua construção filosófica e teoria do conhecimento.

A cultura racionalista está baseada no método dedutivo e em sua perspectiva, o mundo é visto como uma máquina perfeita sobre os princípios cartesianos que são: 1- Ordem; 2- Separabilidade, 3- Redução, 4- Razão. Caracteriza-se por uma realidade mecanicista e determinista, que busca a supervalorização da razão e a “emancipação” dos homens, tal realidade gera efeitos desastrosos na ciência, na ética, no homem, na sociedade, etc.

Nas Meditações Descartes afirma (1979, p.134): “[...] é certo que eu, isto é, minha alma, pela qual eu sou o que sou, é inteira e verdadeiramente distinta de meu corpo e que ela pode ser ou existir sem ele.” E como consequência do Cogito que fora acentuada foi o dualismo[1] formando uma dicotomia entre corpo e consciência. Sobre isso, afirma Vasconcellos:

Ao assumir uma posição dualista no que diz respeito à questão ontológica da relação entre o pensamento e o ser, fracionou oficialmente o mundo em material e espiritual, corpo e mente, nos seres vivos. Admitia duas substâncias: uma das coisas, cujo é a extensão (res extensa); e outra do sujeito pensante (ego cogitans), cujo atributo é o pensamento; portanto, dois princípios independentes, um material e um espiritual. Como vimos, instala-se aí a separação entre filosofia (o domínio do sujeito, da meditação interior) e ciência (o domínio da coisa, da medida, da precisão). E aí estão as raízes da disjunção entre cultura humanista e cultura científica. (2002, p.62).

            A autora acima afirma que, a posição dualista cartesiana acaba por dividir o mundo, formando um verdadeiro paradoxo. Sendo que, é nessa realidade que se dá a separação entre a filosofia que está voltada para ego cogitans (voltando-se para o campo interior, responsável pelo pensamento) e a ciência res extensa (voltando-se para o material, precisão, medida, etc.). Vê-se que o cogito influencia decisivamente na vida e comportamento do homem moderno, exacerbando o uso da razão e anulando a dimensão corpórea e o campo dos sentimentos.

Sendo assim, o pensamento do filósofo e matemático francês ainda continua sendo usado como paradigma para a modernidade. O contributo cartesiano para o período moderno foi notável e perpassaram diversos campos (do conhecimento ao agir), não obstante, essa influência é sentida na contemporaneidade.

No terceiro capítulo, propomo-nos fazerum diálogo entre Descartes que fora apresentado no capítulo anterior e Edgar Morin[2], mostrando uma leitura moraniana a respeito do que fora proposto por Cartesius durante a formação do paradigma moderno. Diante de todo o contexto da modernidade e do que é proposto o novo paradigma para humanidade, chegando até a nossa contemporaneidade.Propomos que, embasado no pensamento de Morin focalizemos sua crítica em dois aspectos da filosofia de Descartes: A mecanização e A fragmentação, assim como também buscaremos apresentar uma análise sobre como se deu a formação do paradigma cartesiano. Sua também crítica está voltada para dúvida no sentido de uma consciência de um saber incerto e da sua visão a respeito da “miséria epistemológica” das ciências humanas e sociais. A crítica moriniana aponta para a complexidade que constitui o ser humano e suas relações, pretendendo oferecer as bases epistemológicas de uma “política do homem”, ou melhor, de “uma política de civilização”. Por isso, para Morin é preciso que se faça uma mudança epistemológica, onde o conhecimento estará voltado para uma teoria da complexidade[3].

Com o pensamento cartesiano, formou-se uma filosofia do sujeito que consistia em um “EU” que não duvida que duvida, com isso, surge o fundamento último de seu pensamento que culmina na filosofia moderna. Com o dualismo res cogitans e res extensa trabalhado anteriormente, o homem fica situado metafisicamente entre ele e Deus, cuja capacidade humana não consegue atingir, nesse contexto surge o fechamento em si, enquanto, o campo científico foi se distanciando do objeto do conhecimento. E em um segundo momento, na sua relação com a natureza, privando-a a uma finalidade e submetendo-a as leis mecânicas, para tanto, Morin faz uma leitura negativa de Descartes como iniciador do racionalismo moderno. E ele nos diz que, “a exclusão do sujeito efetuou-se na base de que a concordância entre experimentações e observações por diversos observadores permitia chegar ao conhecimento objetivo.” (Morin, 2010, p.137). Dessa forma, o mundo passa a ser visto como uma concordância entre o racional e a realidade buscando a coerência entre ambos, uma ruptura e descontinuidade com proposta do saber anterior, afirmando assim, a necessidade de que as ações e sociedade fossem movidas por uma razão individualizada.

 O paradigma simplista. Em que consistia? O mesmo tem por finalidade dividir em quantas partes forem possíveis para que se chegue ao conhecimento do objeto, com isso, gerou-se a compartimentalização do saber e não se têm mais uma visão do todo e sim das partes do todo. É nessa perspectiva que Morin faz uma leitura negativa desse saber fragmentado influenciado pelo “pai” da modernidade e propõe que se busque um novo paradigma, que se busque o todo, que o conhecimento esteja “tecido junto”. Pois muitas vezes, é nesse vácuo entre um campo do conhecimento e outro que se encontram as respostas. Para isso, propor-se-á a busca por um pensamento complexo (do que é tecido junto) para então se aproximar mais do todo e procurar dar respostas às realidades complexas que surgem no cotidiano.

Com isso, far-se-á necessário a implantação de um paradigma que procure mais que a interdisciplinaridade, mas que busque a teia do conhecimento onde todas as áreas estão intrinsicamente ligadas, sendo assim, insurge o pensamento complexo que como foi dito anteriormente consiste em buscar a formulação de um conhecimento numa perspectiva do todo, uma razão aberta, um conhecimento interligado.

Nessa perspectiva, Morin faz uma leitura daquilo que fora a modernidade e das influências de Descartes, sendo assim, ele nos traz uma leitura negativa dos aspectos cartesianos, entre eles estão: a mecanização, a fragmentação, a racionalização, a intersubjetividade, a simplificação, a razão fechada. E estes segundo este pensador contemporâneo, perpassam da modernidade até a contemporaneidade influenciando de forma significativa na formação do homem e do seu relacionamento com o cosmo. Na sua crítica, Morin espera que haja uma mudança paradigmática e assim saíamos do paradigma moderno da simplificação para um que propõe a complexidade onde haja uma razão aberta que veja a ambivalência presente no mundo e na formação do conhecimento.

            Sendo assim, se o pensamento fomentado pelo paradigma simplista não está conseguindo responder a complexidade que nos circunda, far-se-á necessário a substituição do mesmo por um que consiga englobar essas partes que fazem parte de um todo. E é nesse contexto que Morin insurge com a teoria da complexidade, visando esse diálogo ambivalente entre as partes que ao mesmo tempo é ordem-desordem; certo- incerto; causa- causante; assim, nesse paradoxo é que se aproxima mais do objeto a ser conhecido. É nesse contexto afirma Petraglia que ele, propõe para esse milênio o princípio de incerteza como norteador da humanidade, assim, é necessário que se busque conviver e compreender com as contradições, para se compreender os limites e as insuficiências de um pensamento simplificador.

            Para Morin, o sistema se organiza na relação das diferenças em seu meio. É nesse antagonismo que as partes se relacionam numa complementariedade, sendo assim, é embasado no princípio da identidade em que cada qual tem,que se participa desse todo que o envolve.Não obstante, a sua proposta é pela substituição do paradigma simplificador moderno pelo que está nascendo, o complexo. É muito mais que uma virada epistemológica o que é proposto, é uma mudança paradigmática, onde o complexo submerge o simplificador. Nessa perspectiva, o estudioso defende a relação existente entre afetivo e intelectual que são indissociáveis ambas fazem parte desse todo que é o antropos, que para o pensador é um ser “biocultural” (formado por 100% biológico e 100% cultural). 

Destarte, propor-se-á ter uma visão complexa mediante uma ambivalência que nos faz interagir com a desordem que supõe um grau de organização. Eis o método que nos é proposto por Morin:o princípio da complexidade. Posteriormente, no que se refere à separabilidade da ciênciaonde muitas vezes as respostas estão nesse vácuo deixado entre uma ciência e outra, far-se-á necessária à instauração de um novo paradigma e este promoverá a transdisciplinaridade, dando-nos um conhecimento complexo não obstante ao paradigma simplista em que vivemos.

Tenho dito! 




[1]“Rótulo mais comum dado à idéia cartesiana de que há dois tipos de substância, mente (ou ‘substância pensante’) e corpo (ou ‘substância extensa’), cujas naturezas são radicalmente opostas.”(CONTTINGHAM, Jonh. Dicionário de Descartes. Trad. Helena Martins. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995).

[2]“ (1921- ) Pensador original e fecundo, o francês (nascido em Paris) Edgar Morin começou a desenvolver sua reflexão sob a influência de Hegel, de Lukács e de Sartre, sobretudo acerca do materialismo dialético. Ao ser expulso do Partido Comunista Francês (1951) por criticar o marxismo ‘oficial’, que mascara os verdadeiros problemas e se torna dogmático, Morin passou a defender a tese de uma totalidade ‘aberta’ e de um pensamento ‘planetário’, revendo e criticando todas as formas dedogmatismo.”(JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1996, p.188).
[3]“Define-se como ‘teoria da C.’ uma vasta tendência anti-reducionista que se desenvolveu emváriossetores de pesquisa científica a partir do início do século XX e culminou nos anos 1980 num verdadeiro movimento epistemológico, que congregou autores europeus, sul-americanos e norte-americanos”. (ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Tradução Alfredo Bosi. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 182).

Por Seminarista Gustavo Luz











Ás 17h00, o Prof. M. Sc. Pe. Rodrigo Fraga Sant´anna iniciava sua palestra sobre o tema: “Um capítulo da Reforma Litúrgica no Brasil: Diretório para missas com grupos populares”.






Na terceira noite da XVI Semana Filosófica e XI Teológica, o Prof. M. Sc. Pe. Roberto Benvindo dos Santos ministrou a Conferência "A Reforma da Liturgia e o Missal Romano", o mesmo teve como mediador o Prof. M. Sc. Pe. Rodrigo Fraga Sant'anna. O tema, muito pertinente, foi muito bem desenvolvido. 

Tratou-se, a princípio, de uma situação histórica da Sagrada Liturgia da Igreja e que, associada com a mesma, permanece a reforma do Missal Romano do Papa São Pio V que foi principiada pelo Beato Papa João XXIII quando da convocação do Sacrossanto Concílio Ecumênico Vaticano II e continuado por seu venerável sucessor o Papa Paulo VI.

O Pe. Roberto fez uma periodização no que tange à Celebração da Santa e Divina Liturgia desde os primários séculos do Cristianismo, cortando os séculos posteriores até o pontificado do Papa Pio V, um dos pontos cruciais para a Reforma Litúrgica feita pelo Vaticano II.

Vale destacar um ponto capital mencionado pelo conferencista: a aproximação que em tempos de outrora existia, desde os tempos apostólicos, entre as duas mesas, a saber: A Mesa da Palavra, o Ambão, e a Mesa do Pão Eucarístico, a Ara, que estavam sendo dissociadas. O Ambão ficou esquecido, porquanto, do altar e no próprio missal, o sacerdote lia a Epístola e o Evangelho.

A Reforma Litúrgica passara por esse prisma: em evidenciar a unidade da Celebração Eucarística, vislumbrada pela participação no que ficou denominado posteriormente ao Concílio, como o "Pão da Palavra e o Pão da Eucaristia". Tal colocação faz-nos remeter ao quadro dos discípulos que peregrinavam rumo a Emaús. Neste ínterim, o Senhor abre-lhes a inteligência pela palavra da Escritura e quando chegam àquela aldeia, mostra-lhese permanece na fração do Pão Eucarístico. A experiência mística daqueles dois e da Igreja quando oferece ao Pai a Hóstia de Louvor deve ser o pedido dos mesmos: "fica conosco Senhor! É tarde e o dia já declina!" (cf. Lc 24)

Neste sentido, a Missa, como dizia São Pio da Pietrelcina "é o sol da Igreja" e a participação ativa dos fiéis é obtida quando é cônscia quando se sabe: "quem celebra, onde celebra e quando se celebra". Desta maneira, podemos constatar a guinada da Reforma no Vaticano II pelo fato dos manuais e orientações ficarem disponíveis á "Assembleia Litúrgica", os batizados, que, como ensina a Sacrosanctum Concilium, é uma das presenças de Cristo na Liturgia.














Fotos: Seminarista José Dalmo