29.11.13

XVI Semana Filosófica e XI Teológica - Último dia

O último dia da XVI Semana Filosófica e XI Teológica foi iniciado pelo seminarista Diogenes Rodrigo Rodrigues de Araújo, concludente do curso de Filosofia. Ele comunicou o seu trabalho aos presentes, o qual tratou do tema: “A felicidade em Aristóteles como bem supremo do homem”.






Defesa da monografia

Este trabalho teve por objetivo compreender a felicidade (eudaimonia) segundo o pensamento do filósofo grego Aristóteles, o qual teve como fio condutor as obras: Ética a Nicômaco e Política. A Ética a Nicômaco é uma das obras mais importantes de Aristóteles que inspirou o pensamento ocidental, tendo como objetivo refletir sobre a natureza da felicidade e os meios necessários para obtê-la, de modo que os seres humanos teriam uma vida virtuosa com a finalidade de alcançar uma excelência moral. Nesta obra o filósofo afirma que a felicidade é o bem supremo e fim último do homem, pois tudo o que ele faz tem como finalidade este bem. Além desta obra, que serviu de base para a nossa pesquisa, destacamos a Política que teve como meta descobrir a maneira de viver que leva à felicidade humana, e depois as formas de governo e as instituições sociais capazes de assegurar aquela maneira de viver. Ela juntamente com a ética formam as ciências práticas que buscam o conhecimento como meio de ação em contraposição as ciências teóricas,cujo conhecimento é um fim em si mesmo.  Entretanto a ciência prática por excelência é a política, isto é a ciência do bem estar e da felicidade dos homens como um todo ela é prática no sentido mais amplo da palavra, pois estuda não somente a natureza da felicidade, mas também a maneira de obtê-la, ao mesmo tempo ela é prática no sentido mais estrito, pois leva à demonstração de que a felicidade não é o resultado de ações, mas é em si mesma uma certa maneira de agir. Sendo assim Trabalhamos essa temática relacionada a felicidade que esta dividida em três capítulos. No primeiro capítulo abordamos a amizade, como meio para alcançar a felicidade. Entre as virtudes éticas examinadas por Aristóteles, ocupa um lugar de destaque a amizade que segundo ele é tão importante que sem ela não haveria felicidade.

Para tratar deste tema o estagirita dedica dois livros inteiros da Ética a Nicômaco (VIII e IX), isto é o espaço maior que o dedicado a qualquer tema no âmbito de tal obra, fato que demonstra quanta importância deu ele a este tema. De fato logo no início da abordagem ele declara que “ [...] ela é uma virtude ou implica virtude, sendo além disso sumamente necessária à vida”. (ARISTÓTELES, 1987, p. 139). Tal virtude é de suma importância à vida, porque impulsiona o homem a viver e a fazer o bem . Ajuda os jovens a exercerem de forma justa as ações e refulgia os mais velhos diante das mazelas do tempo, e quando o homem no auge de sua idade tem a companhia de um igual , a amizade é de importância singular para impulsioná-los de forma conjunta a prática da boa ação e do bom pensamento. Em suma ela é condição para que o ser do essencial do homem seja realizável. Salientamos que ela é também necessária devidamente, porque pela amizade é favorável a convivência entre os homens, ou seja podemos nos relacionar com os outros de maneira amigável, partilhando  com eles  as alegrias e sofrimentos da vida. Segundo Silva:
Isto supõem a valorização da vida e da existência, bem como o desejo de estar na companhia dos amigos, compartilhando bons e os maus momentos e sendo para ele uma força que os impulsiona sempre a superar os obstáculos e a vencer as adversidades. (2008, p. 35).   

            Sendo assim torna-se lógico afirmar que os amigos desejam estar sempre próximos uma vez que por meio do convívio, cada um afasta de si a solidão e encontra em seu semelhante, motivos para ser feliz. Deste modo quando os amigos se encontram, exerce um para com o outro aquela bondade própria da amizade, que por sua vez exerce companheirismo. É  na companhia dos amigos que o ser humano se realiza, tanto por atender a uma necessidade natural, a de se relacionar com os demais seres, como também por praticar aquele amor que leva a vitalidade e a felicidade.

No pensamento Aristotélico apresentado na Ética a Nicômaco, há três espécies de amizade que merecem ser destacadas. Estas correspondem a categorias próprias e adequadas a cada tipo de personalidade humana. Segundo ele elas podem ser por utilidade, prazer e virtude. Para o Estagirita a primeira espécie de amizade é a que se fundamenta na utilidade. Essa relação valoriza o outro não pelo que ele é, mas pelo que ele tem. Esse tipo de amizade se desenvolve com mais intensidade nas pessoas idosas. Ao atingir essa idade o ser humano vai perdendo o ânimo para realizar algumas atividades, por isso eles buscam se aproximar dos jovens para que estes os ajudem em suas vidas. Este tipo de amizade também se desenvolve entre pessoas de qualidades opostas. Porque um busca no outro aquilo que lhe falta. Por isso essa amizade só se sustenta até o momento em que os envolvidos podem obter bens ainda que estes sejam aparentes, mas quando este bem deixa de ser obtido por uma das partes a amizade se desfaz. Diante disso Picher afirma que
A amizade baseada na utilidade é próprio dos homens de espírito mercantil, que mantém relações de trocas de produtos e subsiste enquanto há vantagem. E esta espécie de amizade, com vistas na utilidade , desenvolve-se mais facilmente entre o pobre e o rico, entre o iletrado e o culto, porque  um almeja encontrar no outro o que lhe falta, sendo  as amizades desta classe repletas de queixas e censuras, onde os amigos não dão tudo o que ‘necessitam e merecem.’ (2013, p. 6)

O segundo tipo de amizade é baseada no prazer. Os que estabelecem esse tipo de relação amam o outro por ser ele agradável aos amantes, bem como por causar-lhes algum tipo de prazer. Amam não a pessoa em si mas o que nela é aprazível, esta forma de amizade também não é duradoura, uma vez que, se um cessar de ser agradável ao outro, cessará o amor e consequentemente a amizade. Esse tipo de relação geralmente é próprio da juventude, buscar e devolver ações que causam prazer. Os que estão nessa faixa etária são guiados pela emoção, por isso buscam o que têm imediatamente diante dos olhos. Assim é que encontramos tantos adolescentes entregues aos vícios como prostituição, álcool e drogas, afim de sentir prazer.

 Rebatendo esses dois tipos de amizade, a saber, a baseada no útil e a alicerçada no prazer, encontra-se a verdadeira amizade, segundo a qual o ser humano honra o outro por aquilo que ele é. Esse tipo de amizade é baseado na virtude, pois os amigos bons possuem um caráter virtuoso, reconhecendo um ao outro enquanto bons em si mesmos. Bitar nos ensina que:

Se diversas são as formas de amizade, uma dentre estas existe que deva ser a melhor e a mais perfeita; não de outra forma deverá ser concebida a amizade entre pessoas virtuosas. Aqueles que verdadeiramente podem ser ditos bons e virtuosos em sentido absoluto o são de modo que sua virtude lhe serve a si próprios como aos outros. A semelhança que os liga entre si não reside em outro ponto senão na característica que é comum a ambos, ou seja, a virtude. Desta forma, o bem que um deseja para si também deseja para o outro, e isto independentemente de qualquer condição, pois esta é a verdadeira noção de reciprocidade e de amizade. A garantia de durabilidade reside na própria permanência e estabilidade do caráter virtuoso dos sujeitos que pela virtude estão animados. ( 2003, p. 1090).

 Esta forma de amizade é um laço que une os homens virtuosos, pois na atividade da virtude o homem se caracteriza como tal. Assim tem-se a necessidade de amigos para exercer a bondade, a generosidade e o amor ao bem. Esse tipo de relacionamento é como o prolongamento inevitável da virtude e consequentemente é essencial à verdadeira felicidade. Com efeito esta é em cada um dos amigos uma bem- aventurança afetuosa que quer ao outro seu verdadeiro bem. Os amigos tem prazer ao colocar em comum o que cada um tem de melhor, pois nós amamos o amigo como um outro de nós mesmos.

No segundo capítulo fizemos uma reflexão sobre a felicidade no contexto da pólis. Na sua obra a Política, Aristóteles afirma que o ser humano é por natureza um animal político e social, ou seja a sua essência ou natureza se atualiza e se realiza no seio da pólis. Desse modo não podemos deixar de observar que é impossível uma vida feliz fora do contexto da comunidade, pois é nesse contexto social e político que a felicidade se realiza. No que diz respeito a felicidade, presume-se que ocorra o mesmo, por que para o homem, ela é considerada como sendo o maior bem a ser conquistado por meio do agir. A vida em comunidade visa um bem determinado, enquanto a sociedade visa um bem maior entre todos: aquele que por sua vez deve ser o bem supremo e o mais abrangente de todos. Nesse sentido a comunidade deve possuir plenamente a sua auto-suficiência na urgência de viver.

Em qualquer que seja a cidade todos aspiram a felicidade, no entanto cada um a seu modo e de diferentes maneiras. O fato é que ela está associada às qualidades morais, mas uma cidade não deve ser qualificada de feliz com referência apenas a uma de suas classes, e sim a todos os cidadãos. A melhor cidade com efeito é aquela que possui o maior número de pessoas felizes, porém isso não acontece, pois o todo não pode ser feliz na mesma medida, e nem do mesmo modo. De fato ninguém é igual e nem sempre as pessoas pensam da mesma forma. Segundo Aristóteles:

O maior dos bens é a felicidade, e ela consiste em agir segundo as qualidades morais e no exercício perfeito destas; além disto, como acontece muitas vezes que alguns homens participam mais da felicidade e outros menos e nem sequer participam esta é obviamente a causa da existência de diferentes espécies e variedades de cidades e diversas formas de governo. Na verdade, já que todos buscam a felicidade (cada um à sua maneira e por meios diferentes), isto leva os homens a modos de vida diferentes e a diferentes formas de governo. Devemos ainda procurar saber quantas coisas existem sem as quais não pode haver uma cidade, pois dizemos que entre elas haverá algumas que são partes da cidade, e por isso sua presença nela é essencial. (ARISTÓTELES, 1988, p. 237).

No terceiro capítulo e cume do nosso trabalho monográfico, tivemos como objetivo compreende a felicidade como bem supremo do homem segundo o pensamento de Aristóteles.  No primeiro livro da Ética a Nicômaco, Aristóteles inicia sua reflexão sobre a felicidade, (eudaimonia) Ele desenvolve sua reflexão ética pautada na noção teleológica, isto é, a partir de uma perspectiva de finalidade. Com efeito para o estagirita, todos os seres e coisas, tendem a um determinado fim. Sendo assim, no início da ética, o filósofo, oportunamente evidencia uma perspectiva que servirá de guia para toda a sua filosofia prática: a noção de finalidade ou bem: “[...] toda arte e toda investigação, assim como toda ação e toda escolha, têm em mira um bem qualquer; e por isso foi dito com muito acerto, que o bem é aquilo a que todas as coisa tendem.” (ARISTÓTELES, 1987, p. 9). Esta passagem caracteriza a ética de Aristóteles. É natural, ou seja, faz parte da própria essência do homem direcionar todas as ações para uma finalidade, pois sempre que houver ação, necessariamente haverá uma intenção última. Mas qual seria a intenção última para a qual se dirige a ação humana? Para responder a esta indagação,o filósofo grego faz uma análise do homem, afirmando ser este um ser dinâmico que a todo instante está empreendendo novas ações, ele age com um objetivo a cumprir, com uma finalidade. Segundo Silva:

Esse fim, desejado por todos, necessariamente será um bem, pois ninguém desejaria para si mesmo algo que não fosse bom e que não lhe fizesse bem. Analisando as ações humanas e percebendo que existe muitos fins, aquele que se pretende alcançar como fim último é definido tanto pelos cultos quanto por aqueles que detêm menos cultura como a felicidade. A ela estão subordinados todos os outros fins,visto que quando alguém realiza algo é com o intuito de ser feliz, conquistando para si aquilo que é bom, que este o faz. (2008, p. 26).

            Dado que a ação humana tende a um fim, este por sua vez é o supremo bem para o homem, mas qual será este fim que orienta o agir humano? A resposta encontra-se no capítulo 4 do primeiro livro da Ética a Nicômaco. Na citada passagem o filósofo ressalta que o sumo bem é necessariamente o mais elevado bem que o homem pode alcançar e que o mesmo naturalmente o deseja. Diante disso formulamos o seguinte problema: Em que consiste o bem supremo Para Aristóteles? Para responder a essa indagação, o filósofo faz uma analise do homem como presuposto para sua investigação ética. Ele afirma ser todo ser humano dotado de corpo e alma e esta na sua concepção possui três funções: vegetativa, sensitiva intelectiva. A primeira ocupa-se com a nutrição e com a preservação do corpo; a segunda com as informações colhidas pelos sentidos; e terceira com a abstração e racionalização do saber. Esta última função é que diferencia o homem dos demais seres vivos.  O exercício ativo do elemento racional é a função própria do homem, é uma atividade da alma por via da razão. Por esse motivo a felicidade para Aristóteles consiste na plena pontencialidade racional do homem, em outras palavras esta via é o sumo bem, ou seja a felicidade. Assim comenta Nodari:

O que faz a marca especifica do homem é o pensamento e a razão que o segue. É a atividade intelectual. Nesta encontra-se a fonte principal das alegrias do homem ou seja, a fonte donde provém a verdadeira felicidade. Com efeito, a felicidade do homem consiste no aperfeiçoamento da atividade que lhe é própria, ou seja, na atividade segundo a razão. O homem deve, então, subordinar o sensível ao racional. A subordinação da atividade sensível à atividade racional se impõem. É o preço da felicidade humana e a condição da moral humana. Portanto, para ser feliz, o homem deve viver pela inteligência e segundo a inteligência. (1997, p. 390).

Sendo a felicidade uma atividade virtuosa da alma, não se ponde identificá-la nem com a riqueza, nem com o prazer. Pois se assim o fosse ninguém chegaria a seu estado pleno,devido a essa inconstância produzida pela posse ou não de tais bens. Desta forma percebemos que existe um consenso universal em dizer que o bem supremo é a felicidade, porém há uma divergência quanto ao seu conceito. Muitos acreditam que a  vida feliz esta no gozo, outros  no prazer, outros acreditam que a felicidade esta nas honras e nas riquezas. È interessante percebermos que o filósofo não rejeita as diversas opiniões dos gregos acerca do conceito da felicidade, mas ensina que estes estilos de vida são pré- requisitos para atingir o estagio de contemplação que segundo ele aperfeiçoa a natureza humana. Segundo Chih:

Obviamente não só implica que uma vida feliz exija a totalidade de bens ou tudo aquilo que vale a pena conseguir, como varia numericamente em cada caso. Além disso, e isto é o mais importante, este critério de quantidade aplica-se juntamente com um critério de qualidade (aquele que distingue três tipos de bens e coloca um deles como causa própria da felicidade) – como a quantidade é promiscua em relação aos objetos aos quais se aplica um outro critério, qualitativo, discrimina os tipos e as ordens que os bens tem entre si. (2009, p. 92).

               A responsabilidade de atingir ou não a felicidade é única e exclusivamente do homem. Primeiro, porque ela consiste em praticar ações moralmente boas ou más, Segundo, porque o ser humano é o único ser racional existente e, como a felicidade é própria da alma racional, somente ele pode atingi-la.  Mesmo que ela dependa de fatores externos que sejam favoráveis, cabe a cada individuo buscá-los, bem como procurar meios que facilitem sua vida, tornado-a mais digna de ser vivida. Outro detalhe importante é que todo aquele que atinge a felicidade, sente prazer em realizar ações que preservem este estado da alma. Não se pode conceber que alguém seja feliz e, no entanto, viva em constante tristeza, uma vez que esta é fruto de uma vida mal vivida, mergulhada em prazeres e por isso aprisionada aos vícios. Por outro lado, o homem feliz é alegre porque vive praticando a virtude, relacionando-se com os demais membros da sociedade na qual está inserido ultrapassando seus próprios limites e barreiras para tanto viver como agir bem.

Enfim, conclui-se que ser feliz é o objetivo de todo ser humano, e a felicidade é a mais alta realização que alguém pode atingir, sendo portanto, considerada como fim último e sumo bem, assim também como capacidade que um individuo possui de atingir em conformidade com a razão.

Por Seminarista Diogenes Rodrigo











Afonso Matos Correia Filho prosseguiu  com sua comunicação de trabalho, com o tema: “A alteridade levinasiana como modelo educativo.






A ALTERIDADE LEVINASIANA COMO MODELO EDUCATIVO

É bem verdade que devemos respeitar o outro como ele é. Mas, filosoficamente, nos perguntamos “como é o outro?”. Estamos acostumados a julgar o outro a partir dos nossos conceitos, a fazer do outro um espelho de nós mesmo. Neste sentido, se eu interpreto o mundo a partir da minha razão, e interpreto o outro de acordo com meus conceitos, será que eu alcanço o outro tal como ele é? Se eu sou um artista dos palcos que priorizo os gestos, as expressões, os movimentos; poderei eu assim compreender de fato um Outro que é versado nas letras, que se expressa bem pelas poesias e contos?

Como vemos, entender como é o outro ou quem é realmente o outro não é uma tarefa das mais fáceis.  O outro sempre será desconhecido e as tentativas de um outrem em interpretá-lo sempre cairão no reducionismo do outro num mesmo.

Ao olharmos para a história da humanidade é inegável não verificarmos que nos últimos quatro séculos o homem desenvolveu-se de tal forma que podemos até dizer que vivemos numa primavera da humanidade, a plenitude humana. É difícil não aceitar que o ser humano vive hoje um momento ímpar de sua história. Contudo, esta realidade vivida pelo homem é paradoxal. Se por um lado constatamos o momento da primavera da humanidade, por outro, vemos que o próprio homem é responsável por peripécias que nem sempre o dignifica.

Guerras, misérias, dor, sofrimento, morte. Esta é a contrastante marca do século XX e infelizmente ainda continua sendo o caminho percorrido pelo homem do século XXI no qual a humanidade tem experimentado o desrespeito para com o outro, o terror, a tortura e a destruição.

Emmanuel Lévinas foi um ex-refugiado de um campo de concentração nazista na Segunda Guerra mundial. Lá ele pode ver e sentir de perto como o Outro estava sendo tratado como um objeto descartável pelo próprio ser humano e como o totalitarismo da guerra desfigurava a dignidade do Outro em detrimento da autonomia do Eu. No Holocausto, a matéria prima da indústria era o ser humano e o produto, a morte, obstinadamente registrada nos mapas de produção.

O homem desenvolveu técnicas para dizimar milhões de outros homens de maneira que se pretendia não deixar nenhum vestígio para as futuras gerações.

A partir de tais exposições é que apresentamos o resultado das reflexões filosóficas acerca do problema que norteou nosso trabalho monográfico: como a alteridade levinasiana pode servir de modelo para uma prática educativa humanizadora?

Desenvolveremos o nosso trabalho em três capítulos:
No primeiro capítulo, buscamos contextualizar a alteridade levinasiana, tentando esclarecer como a Ética da Alteridade proposta por Emanuel Lévinas se apresenta como uma resposta aos anseios de humanização do homem atual.

A razão humana construiu palácios, cidadelas, fortalezas, repúblicas e paraísos que nenhuma pessoa jamais habitou. São inúmeros os belíssimos sistemas filosóficos e estruturas arquitetadas com capricho e arte. A razão humana se apresenta em si mesma como céu e inferno do próprio homem. O pensamento humano forjou tantas belezas, como também muita destruição e morte. Os filósofos da chamada pós-modernidade preferiram sair das velhas trilhas da razão e enveredarem por caminhos que pretendem apresentar outra forma de se buscar a verdade.

O século XX foi marcado pelas principais atrocidades da humanidade até o momento. Foi neste século que ocorreram as duas grandes guerras mundiais, o massacre dos judeus, o lançamento das bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki. Tais acontecimentos deixaram um rastro de miséria que se alastra pelo mundo dizimando povos dos países mais pobres. Sinteticamente, “trata-se do fim do mundo do qual os arsenais nucleares revelam o aspecto popular e angustiante. O fiasco do humano talvez caminhe para isso”. (LÉVINAS, 2002, p.78).

Diante da condição do homem moderno, a ética levinasina surge como uma contundente crítica destinada principalmente a todos os que se acham bem pensantes, aos europeus, aos filhinhos de papai, ou seja, a toda instalação da filosofia ocidental que cristalizou o Eu reduzindo-o ao Mesmo, todos estão centrados no estudo do Ser, na ontologia, na satisfação da autonomia. (PIVATO, 1992).

Alteridade é uma palavra derivada do latim Alteritas, que tem como significado “Ser outro, colocar-se ou constituir-se como outro.” (ABBAGNANO, 1998, p.43). É um esforço de ir ao mundo do outro tal como ele é e não como eu gostaria que ele fosse. É ser capaz de apreender o outro na plenitude da sua dignidade, dos seus direitos e, sobretudo, da sua diferença.

A pergunta do conceito de alteridade evoca o rosto do outro enquanto resposta. No entanto, se perguntar sobre o conceito de alteridade significa deparar-se com o inusitado e não em respostas simples e acabadas. O outro estará sempre além de minhas possibilidades e é na acolhida do outrem, que surge a possibilidade de uma relação educativa, de ensino:

Abordar Outrem no discurso é acolher a sua expressão onde ele ultrapassa em cada instante a ideia que ele tiraria de um pensamento. É, pois, receber de Outrem para além da capacidade do Eu: o que significa exatamente: ter a ideia do Infinito. Mas isso também significa ser ensinado. (LÉVINAS, 2008, p.38).

Lévinas, diferentemente de Heidegger, não vê a ontologia como filosofia primeira e sim a ética. Para Lévinas, o outro será infinitamente outro. Nunca, jamais, nem se quer por aproximação eu irei alcançá-lo. Tudo que eu venha a saber sobre ele, percebamos “eu venha a saber sobre ele”, nunca será substituído como conhecimento de quem ele é. Diante do exposto, nos resta apenas uma coisa, que não é conhecimento nem tampouco epistemologia, não é um estudo sobre o outro, é a ética. É nas relações éticas que o homem se perfaz como ser humano.

No segundo capítulo, discutimos como o rosto do outro me interpela a educação. Neste momento, buscamos esclarecer a categoria do rosto do outro que é muito importante para a compreensão da alteridade proposta por Lévinas.

O fundamento da relação ética proposta por Lévinas está no encontro com um rosto. O rosto do outro ser humano é a sua forma de apresentar-se e não de ser representado diante do eu que o olha e o toca, mas sem objetivá-lo. O rosto na relação face a face supera a idéia que o eu tem do outro. Na presença do rosto abre-se uma dimensão do infinito despertando um desejo que, para se tornar ético, deve reconhecer o outro como absolutamente outrem. A epifania do rosto do outro abre um magistério que não conduz para a maiêutica.

“O rosto recusa-se à posse, aos meus poderes. Na sua epifania, na expressão, o sensível ainda captável transmuda-se em resistência total à apreensão.” (LÉVINAS, 2008, p.192). Formular uma ideia sobre quem seja o outro é totalmente diferente de um eu estar diante do outro, para o qual a ideia que se fez deste outro se apresenta como inadequada. A relação ética com o outro é linguagem que mantém a originalidade do rosto, que tem como suporte a relação face a face. Não é tematizar o outro no meu mundo, mas compartilhar meu mundo com o outro.

A partir do pensador franco-lituano podemos entender que a prática educativa que nega o outro, a relação face a face, implica uma dinâmica de dominação. Dominação esta que fora fundamentada pelo saber educacional proposto a partir da maiêutica socrática o qual foi criticado por nosso autor. O conselho délfico “conhece-te a ti mesmo” adotado como ideal do saber socrático/platônico foi um saber que como que tenha patrocinado a redução do outro ao mesmo. Verifica-se que a grande lição de Sócrates foi a defesa do primado do Mesmo, onde tudo que vem do outro já está em mim, tudo que necessito já está em mim desde toda eternidade.

O outro se apresenta face a face, ou seja, com seu rosto. Ele não se manifesta nem se seduz: visita, anuncia e revela. “O rosto, na sua essência, é o que resta do outro, uma vez que exaurida a ordem de referências à própria existência e ao horizonte do ser e do mundo.” (PIVATTO, 1993, p.343).

O rosto é transcendência que escapa as nossas definições e entendimentos. O rosto do indigente, da viúva, do órfão e do estrangeiro, enfim do outrem, falam e dizem na sua nudez e vulnerabilidade, como símbolo epifânico, que timidamente denuncia o seu abuso e a sua rejeição, seu esquecimento, sua condição de negação da humanidade. Não é um significado relativo a um contexto, ele é vida, é infinito. Reclama a minha responsabilidade.

No terceiro capítulo, argumentamos acerca da relação entre ética e educação dialogando com outros autores que, no viés educativo, se aproximam da ética levinasiana. Com isso, fizemos uma ponte com a pedagogia freireana elucidando alguns pontos convergentes com as ideias de Lévinas.

A relação entre a ética e educação nos tempos atuais se apresenta como uma urgência e ainda mais devido à realidade paradoxal que a humanidade tem vivido.

Prezado Professor, sou sobrevivente de um campo de concentração. Meus olhos viram o que nenhum homem deveria ver. Câmaras de gás construídas por engenheiros formados. Crianças envenenadas por médicos diplomados. Recém-nascidos mortos por enfermeiras treinadas. Mulheres e bebês fuzilados e queimados por graduados de colégios e universidades. Assim tenho minhas suspeitas sobre a Educação. Meu pedido é: ajude seus alunos a tornarem-se humanos. Seus esforços nunca deverão produzir monstros treinados ou psicopatas hábeis. Ler, escrever e saber aritmética só são importantes se fizerem nossas crianças mais humanas.

Este relato de um sobrevivente de um campo de concentração nazista deixa muito mais evidente esta urgência de se desenvolver um novo tipo de educação onde o ato de ensino-aprendizagem seja humanização em processo como afirmou FREIRE (1996). É preciso que nossos professores estejam cientes deste fato de que ensinar não é transferir conhecimento, não é apenas ser aprendido por ele e pelos educandos nas suas razões de ser- ontológicas, política, ética epistemológica, pedagógica, mas também precisa ser constantemente testemunhado, vivido. Para isso faz-se necessário uma nova visão do sentido da escola.

A escola deve ser entendida com um lugar e um tempo de encontros. Antes mesmo de se pensar em projeto político pedagógico, currículos, conteúdos programáticos, proposta pedagógica, método de ensino, aprendizagem, e assim por diante, a escola é por si só um momento pedagógico inicial. Anterior a toda sistematização escolar, este lugar é local de epifanias de rostos e surpresa de encontros. Daí então, currículos e metodologias devem ser organizadas para comtemplar esta relação intersubjetiva.

O fato de FREIRE (1987) ter dedicado sua obra e sua vida pela causa dos esfarrapados do mundo, e aos que com eles se fazem solidários e responsáveis, nos aponta para a possibilidade de um mundo alicerçado no paradigma de uma verdadeira humanização. Neste sentido, a pedagogia freireana elege para a prática educativa a ética, assim como fez Lévinas. O rosto do outro que é silenciado apresenta-se sempre como manifestação do dizer ético que apela o meu cuidado e responsabilidade.

A Ética da Alteridade encontra convergência na Pedagogia do Oprimido, principalmente quando esta defende “a ruptura radical com o colonialismo e a recusa igualmente radical ao neocolonialismo” (FREIRE, 2003, p.178). Neocolonialismo que se traduz em Lévinas como sendo a ontologia da totalidade. Mesmo Freire não utilizando conceitos levinasianos, podemos verificar que Freire assume a responsabilidade ética pelo rosto, condição do marginalizado e oprimido, os “esfarrapados do mundo”.

Segundo COELHO (2011), a educação pode prejudicar a ética, quando esta é pautada na proposta educativa baseada na concepção positivista de ciência e educação. Isso tem início pelo postulado da neutralidade científica, cujo termo “neutro” já traz prejuízo do não comprometimento, fato que representa a condição ética. A negação da corporeidade e dos sentimentos causa sérios riscos à ética uma vez que a ética surge quando a consciência e a afetividade se integram. O grande desafio que a escola tem hoje no ensino da ética é que se fala sobre ética, exige-se leitura sobre ética, pensamos a ética, todavia, esquecemo-nos de a por em prática.

Que seja a educação a ferramenta que propicie os encontros dos rostos gerando uma sensibilidade ética; que gere nos agentes do processo educacional a responsabilidade mútua principalmente com o rosto dos “esfarrapados”, dos excluídos e marginalizados que clamam sua dignidade a esta sociedade marcada pelo totalitarismo capitalista de consumo. A educação que visa a sensibilidade ética se perfaz nos mais simples gestos do nosso cotidiano. O desejo do bem e da felicidade do outro, como expressão de solidariedade é o que nos faz humanos. 

            Instigante e desafiador. É este o sentimento que nos toma ao estudar Lévinas. Ler Lévinas é fazer um novo caminho sobre nossas próprias verdades redescobrindo um pouco mais de quem nós somos de fato. É refletir como está a qualidade de nossas relações para assim repensar a nossa condição de ser humano.
          
Ao realizar este trabalho de aproximar a alteridade levinasiana como uma ferramenta para a prática de uma educação humanizadora, não pretendemos apresentar a última palavra sobre esta temática.

As conclusões que aqui se apresentam não são as últimas, uma vez que qualquer teoria filosófica nunca é fechada, sempre está aberta às críticas.

Pudemos perceber o porquê da proposta ética de Lévinas. Ele denuncia os totalitarismos das guerras que destrói a identidade do outro como também a fundação da filosofia ocidental baseada na ontologia como filosofia primeira. Ele propõe a Ética da Alteridade face a dominação do outro pelo mesmo. Tal ética gera a responsabilidade para com o “órfão, a viúva, o indigente” que reclamam pela sua dignidade.

A hipótese de que para que o homem se reconheça de fato como ser humano, faz-se necessário o desenvolvimento de uma educação humanizadora pautada na alteridade, foi comprovada neste trabalho. Constatamos que é preciso desenvolver uma nova educação, cientes de que o aprender não pode estar a serviço de uma razão que pretende quantificar tudo prevendo um lucro futuro. A escola é o meio propício para os encontros, é um momento pedagógico inicial onde as crianças deparam-se com outros rostos e descobrem que elas não são o centro do mundo.

Ficou evidente em nosso trabalho de que é preciso fazer um novo êxodo para ir ao encontro do outro que se apresenta a mim como desconhecido, um êxodo feito de saídas, de acolhidas, de aberturas e de disponibilidade. Trata-se de uma saída de si mesmo para uma abertura hospitaleira a esse outro que se faz proximidade. Essa foi a luta de Lévinas: defender a dignidade da face do outro pela afirmação da ética como sentido do humano. A educação deve ter por objetivo principal o desenvolvimento da sensibilidade ética, meio pelo qual o homem possa tornar-se humano.

Contudo, a nossa proposta de uma educação que seja humanização em processo a partir da alteridade levinasiana, é destinada aos que tem a esperança de desenvolver uma educação que toque cada indivíduo, uma educação que seja uma ferramenta eficaz na transformação da sociedade. Transformação esta que julgamos crucial para que construamos uma sociedade mais justa e mais humana.

Obrigado pela atenção.

Por Seminarista Afonso Matos Correia Filho



Ao término da tarde, Dom Armando Bucciol (Presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Liturgia da CNBB e Bispo da Diocese de Livramento de Nossa Senhora) proferiu uma palestra, com o tema: “A Liturgia, Momento Histórico da Salvação nas Conferências do CELAM”, na qual, expressou, inicialmente, a quão necessária mudança de linguagem, quando na lida com os desafios contemporâneos, dentro e fora da Igreja, adotada pelo Concílio Vaticano II; segundo Bucciol, uma linguagem mais acolhedora.




Inserido num novo clima cultural e eclesial, segundo Dom Armando, o Concílio Vaticano II responde como, em matéria de liturgia, a Igreja deve se colocar, sendo que essa, propõe-se como ação ritual, experiência de comunhão, tempo festivo e culmen et fons (cume e fonte) de toda a vida da Igreja.

O Presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Liturgia da CNBB apontou muitas das colocações da Conferência de Aparecida (2007), dentre estas, tomou uma que destaca a dimensão e mistério pascal qual elo unificador da Liturgia e da vida eclesial. Citou também a Conferência de Medellín (1968): “[...] a presença da salvação, enquanto a humanidade peregrina até sua plena realização na parusia do Senhor, culmina na celebração da Liturgia eclesial (cf. SC 8 e 10).

Falando das necessidades de adaptação às realidades dos povos, afirmou que a Celebração litúrgica tem um compromisso com a realidade humana.

Dom Bucciol falou também da “Piedade Popular”; citando a Conferência de Puebla (1979), apontou a oração particular, assim como aquela piedade como verdadeiros valores de evangelização. Sobre a Liturgia na realidade dos povos, especificamente, o latino americano, enfatizou a necessidade de considerações pastorais, salvas as normas litúrgicas, numa constante superação do mero rubricismo.

Santo Domingo (1992), outra Conferência citada, fora usada por Dom Armando para evidenciar a Liturgia como centro e cume da vida eclesial, numa contemplação dupla da ação do Senhor – glorificação e redenção.

O Bispo de Livramento de Nossa Senhora lembrou Aparecida, quando esta aponta a centralidade dada à ação e à experiência de Cristo que introduz o cristão numa profunda e feliz celebração dos sacramentos, com toda a riqueza dos seus sinais. Com tal apontamento, Dom Bucciol assinalou a consciência escassa de boa parte dos fiéis católicos acerca da participação na liturgia dominical. Assim, à luz de Aparecida, recordou aos presentes que a Eucaristia é a razão de ser do cristão, recordando também a “pastoral do domingo”, necessária na conscientização dos fiéis.



Outro ponto abordado pelo Bispo foi a questão da inculturação. Destacou que a mesma se constitui um processo lento e que deve ser bem interpretada para não dar margem a exageros. Porém, afirmou que há uma necessidade de adaptação e encarnação da liturgia nas diversas culturas, celebrando a fé – com expressões culturais – numa sadia criatividade. Citando Santo Domingo, apontou que as Celebrações litúrgicas devem ser aptas para expressar o mistério que se celebra, de maneira clara e inteligível.

Concluiu a palestra demonstrando ser necessário o cuidado para com o tesouro da religiosidade popular de nossos povos, para que nela resplandeça cada vez mais ‘a pérola preciosa’ que é Jesus Cristo, e seja sempre novamente evangelizada na fé da Igreja e por sua vida sacramental.




À noite, na última conferência da XVI Semana Filosófica e XI Teológica, Dom Armando Bucciol prosseguiu com as reflexões da tarde, desta vez, à luz do tema: “Perspectivas para a Liturgia, a partir da Sacrosanctum Concilium e do CELAM”. O Padre Jânisso de Sá, Reitor deste Seminário, mediou esta conferência, junto ao Arcebispo Dom José Palmeira Lessa.




Dom Bucciol acentuou inicialmente, como na parte da tarde, o enorme papel do Concílio Vaticano II, que colocado na grande tradição, responde aos desafios atuais. E não diferente com a Sagrada Liturgia, esta, põe-se como a fonte de onde jorra o alimento dos fiéis, oferecido por Cristo Jesus ao seu corpo místico, a Igreja. 

O Bispo de Livramento de Nossa Senhora questionou os presentes acerca da participação dos fiéis na Liturgia e se os mesmos vivem desta. Ela, destacou o prelado, faz-nos participar do perene memorial da salvação de Cristo.

Ainda sobre o Concílio, Bucciol assinalou que a visão conciliar de liturgia respira com a teologia patrística e dos Sacramentários antigos. A ação litúrgica, dizia ele, apoia-se na comunidade dos fiéis e se estende por toda a terra, constituindo-se una, independente da multidão que a compõe. 

Sendo a ação mais eficaz da Igreja, lembrou, a liturgia deve derrubar muros e toda atitude de ‘aristocracia’ espiritual.

O Presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Liturgia da CNBB, em suas considerações finais, enfatizou que vida e celebração não podem estar dissociadas. Concluiu dizendo que “na e por meio da liturgia podemos, melhor, devemos aprender o estilo de vida da gratuidade; Deus ama gestos gratuitos” e ainda, “na liturgia nascemos pela fé e a alimentamos”. Terminada as colocações de Dom Bucciol, os presentes puderam fazer perguntas ao mesmo.








Fotos: Seminarista José Dalmo